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Hoje quero mesmo falar de vida. Mas não me quero esquecer amanhã

Hoje tenho mesmo que falar de vida…

 

Desde segunda feira que me sinto angustiado. Uma angústia que chega pelo telefone, como um qualquer tsunami, a meio de uma reunião. Do outro lado alguém te diz:

 
 

“como sei que és um fã, queria-te transmitir que o Quintana teve uma paragem cardiorrespiratória durante o treino e caiu para o lado. Está muito mal”.

E de repente, regresso à reunião com um silêncio de alguns minutos. Algumas notas finais nessa mesma reunião, e saio do escritório acompanhado do meu filho (que tem acompanhado as aulas no meu escritório de advogados num gabinete que ficou temporariamente vago por nobres funções).

 
 

O pensamento vagueia. Começo a refletir. Olho para trás, para a minha vida. E olho em frente, para o meu futuro, que hoje e nestes momentos, fica ainda mais ténue e tão frágil, que nem sequer somos capazes de imaginar muito para além de amanhã. Ao mesmo tempo olho para o banco do lado. No carro. O sorriso do meu filho e as suas brincadeiras. Entro em casa e encontro a minha filha, também ela com um sorriso e um olá de quem tem toda uma vida à sua frente.

E de repente, sentas-te e a televisão (o Porto Canal) não te dá margem para duvidar. Alfredo Quintana, guarda redes de andebol do FC Porto e da Seleção, com 32 anos luta pela sua vida. Tenta assim fazer uma grande defesa num contra ataque mortífero do adversário. Tenta evitar um golo com a importância de nenhum outro na sua vida… Ele que teve momentos épicos nos últimos momentos de muitos e muitos jogos, jogos “muito importantes, como nós os definimos. Nós, os adeptos, para quem alguns jogos são de vida e de morte.

 

E de repente, para todos, nenhum dos jogos de Quintana foi alguma vez decisivo ou de vida ou de morte. De repente, tudo leva um banho de realidade e de confronto decisivo entre a vida ou morte. E agora está um homem/rapaz de 32 anos no seu jogo decisivo, que era feliz na sua vida, que no dia anterior tinha feito mais um grande jogo na sua profissão e que brincava com a sua família desportiva em mais um dia.

Quintana com a camisola da Seleção Nacional de Andebol |Foto de Jonathan NACKSTRAND / AFP

E tudo se nos assalta. Como é possível? Um rapaz que é um superatleta, monitorizado dos pés à cabeça a toda a hora e momento, pelos melhores médicos e máquinas que o dinheiro pode comprar… e… como é possível?

 

Possível é, porque não somos como a matemática. Possível é, porque o nosso corpo não só nos surpreende positivamente, como também nos surpreende negativamente a qualquer momento da vida.

Mas eu não estou para falar da causa. Ou para entender como acontece ou como aconteceu. Estou aqui a escrever sobre o que me “assalta” nestes dias, enquanto o nosso Quintana (falo nosso, do andebol, da família do andebol, que é um exemplo para toda a sociedade) luta bravamente para ficar entre nós, que objetivamente é o que mais me interessa neste momento.

 

E a verdade é que nós pensamos muito pouco na vida. Pensamos muito pouco nas palavras que devemos dizer aos nossos mais próximos todos os dias. Pensamos muito pouco no estado dos nossos mais próximos (filhos, família, amigos, colegas de trabalho). Não elogiamos facilmente, mas criticamos rapidamente…

E porquê? Estamos preocupados com o carro que não temos e que queríamos ter. Estamos preocupados em querer comprar o novo telefone ou o novo iPad que saiu. Estamos efetivamente preocupados com coisas menores. Porque estamos muitas vezes mais preocupados connosco, do que com os outros. Valerá a pena não convivermos com os amigos… partilhar as suas preocupações. Valerá a pena por vezes não ouvirmos nossos filhos e dizer-lhes “não me chateies a cabeça, que hoje não estou para te ouvir…”. Valerá não lhe darmos a atenção que necessitam, porque por vezes estamos ocupados com as redes sociais ou com outra coisa qualquer?

Valerá a pena chatearmo-nos com os nossos amigos por “dá cá aquela palha”??? E até ficarmos uns tempos sem nos falarmos, porque em determinado momento dissemos o que não devíamos e não queremos perder “a face”?

O Alfredo Quintana é, segundo me contam, um rapaz extraordinário em todas as vertentes.

E Quintana faz demonstrar ao mundo, com a sua infelicidade, que ainda há esperança numa sociedade cujos valores são cada vez mais menores e mais egoístas.

A família do andebol mostra à sociedade que há valores muito altos para além do jogo… para além das pequenas coisas.

A família do andebol é assim. Ri e sofre em grupo. Somos todos uma família.

E eu com esta minha reflexão e angústia, apenas quero ser melhor. Apenas quero ser melhor e fazer com que os meus filhos sejam melhores. Quero que esta minha reflexão não me caia em saco roto e que amanhã não cometa alguns dos erros que por vezes cometemos.

Quero que, efetivamente, a luta e o exemplo de Quintana nos sirva de muita coisa…

De que “o agora é certo”… E que amanhã poderá ser tarde demais…

Por isso, tentarei começar já hoje… Não que não o faça normalmente. Mas quero fazê-lo mais amiúde, gastando por vezes um minuto na vida para o fazer.

Porque pior que um minuto na vida, que às vezes reclamamos que não temos ou não temos paciência para ter, é mesmo a vida num minuto…

Espero que um milagre faça com que Quintana leia este texto.

Espero que esta sua luta nos faça refletir e não esquecer.

Porque hoje quero mesmo falar de vida. Mas não me quero esquecer amanhã.

Nem eu. Nem tu.

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