40 anos do 25 de Novembro.
Há 40 anos, uma acção militar conduzida por militares “moderados” pôs a revolução portuguesa na rota das democracias de tipo ocidental. Quarenta anos depois seria de esperar que houvesse consenso em relação a este caminho. Na verdade, não há. Vale a pena por isso tentar perceber o que aconteceu quatro décadas atrás.
O “golpe dos coronéis” foi várias vezes anunciado nos jornais, numa época em que se anunciavam golpes e contragolpes com a maior normalidade.
No dia 3 de Novembro, o DN anunciava “golpe militar reaccionário em preparação” e acrescentava que seria “antes de 11 de Novembro”, data da independência de Angola.
Afinal nada aconteceu até àquele dia. Álvaro Cunhal, garantia, em Budapeste, que “os comunistas não farão um golpe de Estado para se apoderar do poder”. O DN e o “Século”, no dia 18, anunciam um “golpe militar de direita preparado para amanhã”. Por causa disso, foram processados pelo Estado-Maior General das Forças Armadas.
Os títulos dos jornais prenunciam um confronto armado iminente: “EPAM pegará em armas quando a Revolução for ameaçada”; Oficiais revolucionários defendem poder popular armado”. Nem Sá Carneiro “exclui hipótese de um golpe militar”.
Confuso? Não é motivo para menos. Para tentar ajudar, aqui fica uma espécie de 25 de Novembro de A a Z, onde faltam algumas letras.
A – Álvaro Cunhal
O líder do PCP desempenhou um papel central neste processo. Sabe-se hoje que se reuniu secretamente, em Lisboa, com Melo Antunes, alguns dias antes do 25 de Novembro, onde terão negociado a posição futura do PCP na vida política portuguesa, em troca do não envolvimento num golpe militar.
Na verdade, o PCP desmobilizou os seus militantes nas diferentes áreas da cidade de Lisboa e Margem Sul, no dia 25 de Novembro.
Melo Antunes cumpriu a palavra, uma vez que, logo no dia seguinte, defendeu na televisão a “indispensabilidade da participação do PCP na construção do socialismo”.
B – Brigadas Revolucionárias (PRP- BR)
Este grupo é o exemplo mais característico da defesa da luta armada para conquistar a revolução socialista.
Nasce antes de 25 de Abril de 1974 e desenvolve uma série de acções de sabotagem contra objectivos militares, na contestação à guerra colonial.
Em 1975, recebeu 3 mil G3, desviadas pelo capitão Fernandes, com o objectivo de armar os conselhos revolucionários e organizar uma insurreição popular. Não realizaram, no período do PREC, acções armadas, embora lhes tenha sido atribuído o lançamento de granadas de fumo contra um comício de apoio ao VI Governo, no Terreiro do Paço.
Os seus principais dirigentes foram Isabel do Carmo e Carlos Antunes.
C – Costa Gomes
O Presidente da República teve um papel decisivo no desenrolar dos acontecimentos do 25 de Novembro. Ao aceitar dirigir as Forças Armadas, segundo o plano de operações que lhe foi apresentado pelo grupo de militares “moderados”, chefiado por Vasco Lourenço, secundado por Ramalho Eanes, fez pender o fiel da balança decisivamente para o grupo militar que sai vencedor desta confrontação.
– Carlucci
O embaixador dos EUA em Portugal, nomeado em Dezembro de 1974, foi um activo negociador, e influenciador das decisões do secretário de Estado norte--americano, Henry Kissinger. Ajudou-o muito a perceber a complicada situação política portuguesa e os seus constantes desenvolvimentos. O seu apoio aos “moderados” e aos partidos não comunistas foi de crucial importância.
Recentemente, confirmou o que sempre se suspeitou: coordenava as actividades da CIA em Portugal.
– COPCON
A sigla COPCON – Comando Operacional do Continente, tornou-se uma das mais populares no período revolucionário de 1975. Criado em Julho de 1974, com o objectivo de “criar condições para que as Forças Armadas possam garantir o cumprimento dos objectivos do seu programa, apresentado à nação”, tendo como missão “intervir directamente na manutenção e no restabelecimento da ordem, em apoio das autoridades civis e a seu pedido”.
Era constituído por forças especiais militares como fuzileiros, pára-quedistas, comandos, polícia militar, Infantaria de Queluz e Regimento de Artilharia de Lisboa (RALIS). O comando foi entregue a Otelo Saraiva de Carvalho. Depressa se tornou numa espécie de polícia todo-poderosa da revolução.
– CAP
A Confederação dos Agricultores de Portugal só seria legalmente constituída a seguir ao 25 de Novembro de 1975, mas o seu papel, enquanto organização liderada por José Manuel Casqueiro, começou a ser relevante na oposição do processo da reforma agrária, e sobretudo nos dias decisivos antes de 25 de Novembro, no corte das estradas na região de Rio Maior, separando o Norte e o Sul do país.
D – Duran Clemente
Este capitão, na altura 2.o comandante da EPAM – Escola Prática de Administração Militar, ficaria célebre por ter sido a última voz das forças de esquerda que tentaram controlar a situação militar a seu favor.
Ocupou com uma força militar os estúdios da RTP no Lumiar e, quando falava sobre a situação que se vivia e defendia os seus pontos de vista, viu a emissão ser cortada, às 20h45.
A imagem ficou como o símbolo da derrota da esquerda militar radical neste processo.
E – Extrema-Esquerda
As forças políticas conotadas com a extrema-esquerda, com expressões variadas e sobretudo, na maior parte dos casos, com posições inconciliáveis, são as grandes protagonistas do Verão Quente, mas também as principais derrotadas no 25 de Novembro.
F – FUP/FUR
A Frente de Unidade Popular foi a última e quase desesperada tentativa de unir forças políticas de esquerda, integrando o PCP. A ideia é de Otelo e executada pelo capitão Álvaro Fernandes.
Depois de meses de negociações, a FUP foi constituída a 25 de Agosto, integrando PCP, LCI, MDP, MES, FSP, PRP-BR, Organização 1.o de Maio e LUAR.
Dois dias depois realiza uma manifestação até ao Palácio de Belém, de apoio a Vasco Gonçalves. Quatro dias depois, o PCP abandona a Frente, argumentando incompatibilidade com as posições esquerdistas de alguns dos partidos.
– Fuzileiros
Os Fuzileiros eram a força mais temida pela “ala moderada”, uma vez que era controlada pelos denominados “gonçalvistas”, com destaque para os comandantes Miguel Judas e Almada Contreiras. Dispunham de 14 companhias operacionais.
No dia 25 de Novembro, devido sobretudo à acção de Rosa Coutinho, os fuzileiros não saíram das bases.
As forças político-militares em confronto eram o Grupo dos Nove, os gonçalvistas e o COPCON.
Os Nove tinham um plano de acção detalhado, elaborado desde o Verão. Contavam com várias forças: Comandos (quatro companhias), CIAAC – Centro de Instrução de Artilharia Antiaérea de Cascais, Escola Prática de Infantaria; quartéis fora da RM Lisboa; Bases da Força Aérea e Escola Prática de Cavalaria, de Santarém.
Gonçalvistas: Marinha – Fuzileiros (14 companhias operacionais).
COPCON: Ralis e Polícia Militar.
G – G3
Arma automática fundamental na guerra colonial.
Com o fim da guerra, ficaram armazenadas aos milhares. No dia 10 de Setembro de 1975, cerca de mil espingardas G3 foram desviadas do Depósito Geral de Material de Guerra (DGME), localizado em Beirolas (Loures). O desvio de armas foi confirmado pelo capitão Álvaro Fernandes, que afirmou que as tinha entregado a Carlos Antunes e Isabel do Carmo, do Partido Revolucionário do Proletariado/Brigadas Revolucionárias (PRP/BR).
H – Henry Kissinger
O secretário de Estado norte-americano nunca terá percebido bem a situação política no Portugal pós-25 de Abril.
Teve, no entanto, a ajuda preciosa de Frank Carlucci, embaixador em Lisboa, com quem conversou ou trocou mensagens com grande frequência. Admitiu, em último recurso, apoiar as forças não comunistas com armas.
I – Imprensa
Os jornais desempenharam um papel crucial neste período. A maior parte dos diários publicados em Lisboa, nacionalizados, alinharam claramente com a esquerda comunista, sendo o caso do “Diário de Notícias” o mais emblemático.
A luta pelo controlo partidário dos jornais, e na generalidade pela comunicação social, foi feroz, tendo alguns dos casos originado graves crises políticas, como a do jornal “República” ou a da Rádio Renascença.
– Igreja Católica
A Igreja Católica esperou pouco para ver o rumo da revolução. Quando se confirmou o rumo socialista/comunista, a Igreja organizou-se e liderou mesmo, embora clandestinamente, no Norte de Portugal, acções de violência contra forças políticas comunistas. A questão da Rádio Renascença, que foi retirada do controlo da Igreja, sua proprietária, por trabalhadores ligados a forças políticas da esquerda radical, acabou por se tornar uma disputa política que só foi resolvida pela destruição dos emissores, por forças militares, nas vésperas do 25 de Novembro.
J – Jaime Neves
O chefe carismático dos comandos, polémico e dificilmente controlável, desempenhou a acção determinante nas operações militares do 25 de Novembro. Os comandos protagonizaram o único confronto armado, no cerco ao quartel da Polícia Militar, no dia 26, de que resultaram três mortos (dois comandos e um polícia militar).
K – Kalinine
O embaixador da URSS em Lisboa, Arnold Kalinine, desempenhou um papel discreto mas activo, seguindo instruções muito concretas de Moscovo, emanadas do MNE soviético, Andrei Gromyko.
Em Outubro de 1975, Costa Gomes visitou a URSS e teve ocasião de conversar longamente com o líder soviético, Leonid Brejnev.
Brejnev terá garantido a Costa Gomes que a URSS não tinha nenhuma intenção de apoiar a instauração de um regime comunista em Portugal.
L – Luta Armada
Embora minoritárias, as correntes políticas que defendiam a luta armada faziam–se ouvir com insistência, sobretudo no período do Verão Quente. Alguns partidos maoistas, assim com as Brigadas Revolucionárias, fizeram coro com os sectores mais radicais das Forças Armadas, que fizeram títulos em alguns jornais, de que ficam dois exemplos: “EPAM pegará em armas quando a Revolução for ameaçada”; “Oficiais revolucionários defendem poder popular armado”.
M – Melo Antunes
O cérebro do denominado Grupo dos Nove já tinha sido o ideólogo do 25 de Abril. Com uma notável cultura política, Melo Antunes conseguiu que do 25 de Novembro não resultasse uma radicalização à direita como resposta à deriva esquerdista anterior. Foi esse o seu notável contributo para a denominada “normalização democrática”, ao arriscar a declaração de dia 26, em defesa da não ostracização do PCP.
– Mário Soares
Com um papel decisivo em todo o Verão Quente, Mário Soares, ao decidir seguir para o Norte de Portugal nas vésperas de 25 de Novembro, acabou por não conseguir recolher os dividendos políticos imediatos da vitória dos moderados.
– MDLP
O Movimento Democrático de Libertação de Portugal (MDLP), conotado com a extrema-direita, foi um grupo fundado por portugueses exilados em Espanha, em que se destaca Alpoim Calvão, ex-comandante dos fuzileiros na Guiné, responsável por acções terroristas, como uma rede bombista responsável por diversos atentados a sedes de partidos da esquerda comunista, no período do Verão Quente. Actuaram sobretudo no Norte do país.
– Morais e Silva
O chefe do Estado-Maior da Força Aérea, que decidiu extinguir o regimento de pára-quedistas no dia 19 de Novembro, acaba por ser o “impulsionador” da acção dos pára-quedistas na ocupação das bases e com essa acção desencadeou o movimento militar cujos planos estavam delineados há vários meses.
N – Nove
O Grupo dos Nove, assim conhecido pela assinatura do documento entregue em Agosto de 1975 ao Presidente da República, com o objectivo de clarificar as posições políticas e ideológicas dentro das Forças Armadas, integrou Melo Antunes, Vasco Lourenço, Pedro de Pezarat Correia, Manuel Franco Charais, Canto e Castro, Costa Neves, Sousa e Castro, Vítor Alves e Vítor Crespo.
O documento, assinado depois por mais militares, defendia uma via alternativa para o socialismo, pluralista, recusando o modelo da Europa de Leste, assim como o modelo social-democrata da Europa ocidental.
Estes membros do Conselho da Revolução, pertencentes à ala moderada do MFA, acabaram por protagonizar a clivagem política definitiva naquele movimento, que antecedeu o 25 de Novembro, de que foram os grandes vencedores.
O – Otelo
O grande protagonista do 25 de Abril tornou-se uma figura controversa e sobretudo errática, do ponto de vista político.
Constituindo uma das forças em presença, Otelo acabou por desaparecer no dia 25, ignorando-se até hoje se foi o responsável pela ordem de saída dos pára--quedistas para ocupação das bases.
P – Pára-quedistas
Terão sido os “instrumentalizados” do processo ao desencadearem a operação que conduziu à vitória dos moderados no 25 de Novembro.
Ao redor da sua acção, continua a levantar-se uma dúvida 40 anos depois: “Quem deu a ordem?”
– Polícia Militar
Esta unidade, conotada com as forças políticas da esquerda radical, protagonizou a única acção violenta, de que resultaram três mortos, no confronto com os comandos, que cercaram o quartel.
Q – Quem deu a ordem?
Esta é a dúvida que, 40 anos depois, ainda não foi esclarecida.
O relatório oficial sobre os acontecimentos do 25 de Novembro não esclarece esta questão essencial. Aponta para várias hipóteses, mas não chega a uma conclusão concreta. Terá partido do COPCON, mas o autor é até hoje desconhecido.
R – Ramalho Eanes
Foi o comandante operacional do 25 de Novembro, e por isso o seu principal rosto, ao lado de Jaime Neves.
Iniciará, a partir daí, uma rápida ascensão nas Forças Armadas, tendo sido nomeado chefe do Estado-Maior do Exército e, menos de um ano depois, candidatando–se às primeiras eleições presidenciais, que vence.
V – Vasco Lourenço
Se Ramalho Eanes desempenhou no terreno a coordenação das operações, é justo que se diga que na cadeia de comando estava Vasco Lourenço como seu superior.
Teve um papel fundamental na luta política dentro do MFA, tendo sido nomeado nas vésperas de 25 de Novembro comandante da Região Militar de Lisboa, substituindo Otelo, o que provocou grande agitação nas unidades militares da capital. Terá sido também essa decisão que espoletou a reacção da esquerda militar.
In: Jornal I
Fotos: Fundação Mario Soares
Manuel Moura/Lusa