De que gostam as pessoas?
Caminho veloz por pessoas que se atropelam. Seja a pé, seja no espaço comum de um transporte público, o cotovelo parece uma arma de ataque e de defesa no espaço comum. Será?
As pessoas talvez gostem da liberdade de um carro, do vento na testa ao longo da planície alentejana e no conforto inclinado de um estofo moderno em descapotável viagem.
Uma mão no assento do lado? As pessoas talvez gostem de um abraço.
Mãos, sempre as mãos. No comando saltando canais de televisão reciclada. Mãos de cores e mexendo na maquilhagem, pretensões de uma aparência? -Talvez gostem apenas de sonhar, as pessoas.
Carrego no acelerador. O posto das rádios muda ao sabor do andamento e levam-me nesse embalo do gosto, ou dos gostos. Relembro-me assim do que não gosto. Mas afinal de que gostam as pessoas? Começo a divagar.
Como alinhar um programa de rádio? Como alinhavar o gosto dos ouvintes? Se acredito que este se pode cultivar. Como usar o termómetro no lugar certo do paladar do público? Se é pimba que criticas, é pimba que consomes? De que gostam as pessoas?
Mudo manualmente de posto. Ouço notícias. O mundo continua sem se entender. Reportagem especial. Choro. Emoções? É disto que gostam as pessoas? A pessoa do outro lado existe, real como tu e como eu. De repente.
De que gostas tu, afinal? Sentir-te igual aos outros? Ou poderes lutar para ser diferente?
Esmago um cigarro, soube mal este agridoce teste de resistência contra mim mesmo. O que amo é o prazer do depois. Aquela ternura do lábio a humedecer de alívio depois da secura. De que gosto eu, afinal?
Encosto o pé gelado na areia molhada depois de uma longa caminhada sem destino senão o da vontade. A meia húmida de suor, neste pé agora despido, lembra-me de que sou apenas humano. Deslizo os dedos na superfície macia da praia. Puro prazer. Do outro lado do pontão, uma senhora idosa saltita no lugar, assim plena de espontaneidade na consequência de cócegas e algum desconforto provocados pela mesma areia que me deleita. De que gostam as pessoas, afinal?
Toco nas tuas rugas. Sinto-as suaves. Crescemos juntos. Neste jardim esquecido, passa um jovem que viu que te toquei nas rugas, afastou os auscultadores dos ouvidos e logo olhou com desdém. Como se fosse uma ideia asquerosa, esta a do toque real. Será?
A ele, resta-lhe o prazer que o faz saltar na rua em dança espontânea. Continua a caminhar numa coreografia improvisada. Conseguimos todos ouvir o ritmo que o leva. A música que ele escuta provoca-te dores de cabeça. Outros riem, uns dançam como ele. Outros desenham o mesmo esgar de desprezo que ele desenhara no rosto estupefacto.
De que gostam as pessoas, afinal? Passa um sem abrigo arrastando uma mala com a sua vida lá dentro. Pele tostada pelo Sol, tatuagens de outras vidas, barba comprida. Espreita para um caixote do lixo, procurando uma sobra que lhe alimente o dia, ou uma vareta de guarda-chuva esquecida que possa vender ao dono do ferro velho. Aproximo-me e dou-lhe este chocolate. Gosta? Sim, gosto! Diz-me sorrindo e estendendo a mão e aquele sorriso de repente devolveu-lhe a humanidade.
De que gostam as pessoas, afinal?
A mim, nasce um gosto por algo indefinível nestas letras e linhas. Este poder de chegar ao Outro, de se conseguir ou não compreender o seu gosto.
De que gostam as pessoas, afinal?