O vislumbre de um líder… a anos-luz
Ao longo do século XX, as lideranças políticas e as suas características pessoais desempenharam um papel crescente nos sistemas políticos contemporâneos. Apesar da atual preocupante vaga de retrocesso democrático, nos sistemas demoliberais ocidentais, a
importância dos líderes tem-se tornado, para o bem e para o mal, ainda mais decisiva.
A meu ver, a degradação da qualidade das lideranças não pode ser dissociada do empobrecimento democrático, intensificado não só graças ao afloramento de líderes patriarcais, associados a regimes políticos autoritários com mais ou menos características totalitárias, ditatoriais e populistas, mas também de líderes que, embora distantes dos contextos e práticas fascistas, não têm uma cultura democrática madura.
Ambos provocam uma erosão do Estado demoliberal através da implementação de políticas que para além de desrespeitarem a diferença e igualdade no tratamento das minorias também tornam os sistemas democráticos desprotegidos. Dando seguimento a esta conjuntura, não me poderei mostrar indiferente ao facto de em pleno século XXI, a liderança política, estar intimamente ligada à crescente personalização dos partidos políticos e à posterior tentativa de humanizar a comunicação política. Primeiramente, terei de esclarecer este conceito e de que forma se repercute na sociedade. Posto isto, podemos então considerar que a “personalização” da política se baseia numa excessiva enfatização das características e qualidades pessoais de cada político, nomeadamente do líder do partido, em detrimento das questões políticas, dos posicionamentos ideológicos ou até mesmo da plataforma partidária.
Esta abordagem envolve frequentemente a promoção do carisma, imagem, ou popularidade de uma determinada figura política como meio de ganhar apoio e votos. Por conseguinte, a personalização pode ser vista de várias formas, tais como a utilização de pronomes na
primeira pessoa em discursos políticos, a projeção da personalidade ou estilo de vida de um político no público e até mesmo a promoção de histórias ou experiências pessoais para se ligar aos eleitores. Embora não exista concordância em muitas das suas abordagens e conclusões, vários estudos demonstram que a atual crescente personalização da vida política veio para ficar. Nos dias que correm, o líder tem vindo a assumir um papel mais relevante do que no passado, quer por razões institucionais e internacionais, quer por
razões comunicacionais e emocionais. Deste modo, é óbvia a crescente individualização dos partidos políticos e dos executivos governamentais.
À vista disso, vale ressaltar a relação de simbiose existente entre a personalização dos partidos políticos e a liderança
política visto que, em muitos casos, um líder carismático e influente pode desempenhar um papel significativo na definição da direção e das políticas do partido. Por sua vez, isto pode levar a que o partido político aqui em causa, se torne estreitamente identificado com esse
indivíduo, o que é conhecido como personalização política, na medida em que a imagem, políticas e perspetivas eleitorais do partido estão profundamente ligadas às características pessoais e reputação do líder. Dando seguimento à minha linha de pensamento, terei de
salientar que atualmente, vários críticos afirmam que a discussão de ideias na política está a desvanecer, sendo que, tal se deve ao facto de vários eleitores, em vez de escolherem entre partidos e programas alternativos, escolherem com base em “personalidades”.
Na minha perspetiva, a “personalização” da política, tanto em Portugal como nas restantes democracias contemporâneas, apresenta tanto efeitos benéficos como nefastos, pelo que, cabe aos eleitores a tarefa de avaliar criticamente as mensagens e promessas das figuras
políticas exigindo sempre, paralelamente, um discurso mais substantivo sobre as questões que lhes dizem respeito, conquanto, pense ser de crucial importância que exista, em certa medida, uma proximidade psicológica dos eleitores face ao seu partido de eleição, constituindo este último um elemento relevante da sua identidade política e social.
Caso contrário, em época de eleições, o seu voto será meramente ditado por fatores menos estáveis, quer isto dizer que irá ser fortemente influenciado pela opinião que estes formulam sobre as características e atributos de um dado candidato representante de um determinado partido político. Ora, aí está um efeito preocupante associado a esta crescente “personalização”, que pode pôr em causa uma discussão produtiva de ideias e em casos mais extremos até mesmo a própria racionalidade política, já que origina um declínio do conteúdo político nas escolhas eleitorais. As campanhas políticas têm se demonstrado, cada vez mais esvaziadas de ideias, de programa e de propostas governativas, sendo que tudo se baseia praticamente na imagem do líder.
Os discursos e debates políticos também são cada vez mais centrados nos candidatos-líderes. Em virtude do exposto, outro dos riscos associados a este fenómeno assenta-se nos seguintes casos: em primeira instância, se o líder ficar desacreditado ou abandonar o partido, as perspetivas eleitorais deste último, podem ser gravemente prejudicadas, levando a que este possa ter dificuldades em se redenominar, subsequentemente, o facto do poder se concentrar unicamente numa pessoa promove igualmente, a germinação de divisões internas dentro do partido, para além de corromper os processos democráticos internamente. Não obstante todos estes riscos, no caso de um líder político ser dotado de carisma e grande influência, a personalização do partido no qual está inserido, acaba por contribuir através de um aumento do apoio dos eleitores, dado que estes muitas vezes, são atraídos por estes atributos.
Consecutivamente, é sobretudo através dos líderes que se comunica politicamente e, deste modo, se tenta diminuir a distância entre as elites decisoras e o povo, e se aposta na construção de uma relação político-emocional entre quem governa e quem é governado. Posto isto, vale salientar as razões que fazem da comunicação política um fator extremamente crucial para o posterior bom funcionamento dos regimes democráticos, sendo assim para além de contribuir para a construção de uma atmosfera de confiança e credibilidade entre os políticos e o público também encoraja a participação e o envolvimento do público no processo político ao fornecer informações sobre os candidatos, às políticas dos mesmos e as eleições, e ao fornecer aos cidadãos uma plataforma para que possam exprimir as suas opiniões e preocupações. Tudo isto só é possível quando esta última é dotada de transparência.
De acordo com um estudo, intitulado “Participação política juvenil em Portugal”, apenas cinco em cada 100 portugueses entre os 15 e os 24 anos estavam ligados a uma associação juvenil. Embora estes dados não sejam propriamente recentes, a tendência é que este padrão de desinteresse se mantenha: jovens de costas voltadas para a política, não se revendo nos partidos, o que leva a que sejam pouco participativos na vida associativa, mesmo atualmente existindo um leque mais diversificado de ferramentas que permitem uma participação muito mais direta e democrática em termos de representatividade da população em comparação com as que existiam no século passado.
Em conclusão, a escolha de um bom líder político é crucial porque desempenha um papel central na definição da direção, tomada de decisões, representação do povo, manutenção da estabilidade e construção da confiança. É importante que os líderes políticos tenham as
competências, os valores e a integridade necessários para liderar eficazmente, nomeadamente em ocasiões de crise económica ou crise política, e servir os melhores interesses das pessoas que lideram. Assim, justifica-se um maior aprofundamento da investigação desenvolvida neste âmbito num futuro próximo de modo a melhor compreender a influência do papel dos líderes políticos nas sociedades contemporâneas e inverter este padrão entre as camadas mais jovens, que acreditam verdadeiramente que um LÍDER, que guie, oriente e exerça influência, está realmente a anos-luz de existir.
Texto de: Ana Ferreira
Artigo publicado em parceria com a Associação de Debates Académicos da Universidade do Minho