O Clube dos poetas vivos
Nada se compara à súcia. Saber uma piada que cativa o nosso público escolhido a dedo, o dedo de cada canto da vida que nos leva a este ou aquele camarada, a esta ou aquela amiga que dá uma risada na hora certa. Nada como o público que a vida nos deixa escolher, no canto do imprevisto, na esquina do acaso, no ombro amigo da súcia. A códea partilhada, a bolacha esmigalhada, o copo beijado que na súcia se diz guardar o segredo de quem por ele bebeu, as pequenas súcias no banco de madeira do quintal, da mesa esvaziada, da rua musicada, do silêncio no banco do jardim.
Ver os pombos a debicar uma réstia de pão duro. Estar em silêncio sem desconforto.
Suspirar simultaneamente seja pela epifania do momento ou pelo disparate da asneira indiscreta no canto da boca. A risada, nada como a risada em súcia. Mesmo sem o falar, apenas pelo rir, pelo momento, é uma súcia genuína.
Nada se compara à súcia de uma suecada numa mesa de pedra. Ei-los! Os patos e os sapos coaxando como banda sonora de trunfos e batotas. Em poesia de jardim.
A súcia de uma cervejola, no bate-boca sem importância.
De um grupo de reformados trocando ditados já esquecidos pelo mundo dito ativo. A súcia musicada em cada trecho de conversa.
Cada conselho dado a quem lhes colhe o respingo poético. Estão ali a apregoar cartas no ar para apagar a sombra da solidão que paira sobre cada um deles. Em amena súcia, poetizando o dia a dia com sorrisos enrugados e lágrimas evaporadas pelo Sol de uma cartada.
Ainda riem, ainda sopram poesia para quem os escute.
Um verdadeiro clube de poetas vivos.
TEXTO: Heitor Nunes