O Custo Social da Precariedade – Crónica de Ano Novo
Com a mudança de capítulo (parece-me demasiado ambicioso sequer considerar uma “mudança de página”), não podemos deixar de fugir a vários temas recorrentes que surgem com o “novo ano”. Assim, com 2017 surgem também as “resoluções de novo ano”, bem como os lugares comuns como “ano novo, vida nova”.
Contudo, desenganem-se aqueles que consideram que censuro esse ímpeto. Muito pelo contrário, não fosse o “sonho a comandar a vida” e o povo Português seria, neste momento, seguramente, um dos mais deprimidos à face do globo.
Assim, adentrando um pouco a questão das “resoluções de ano novo”, estou certo de que, muitos jovens reservaram uma das suas 12 preciosas uvas passas para o desejo de serem pais, ao mesmo tempo que desejaram estabilidade financeira para que tal seja possível. Aqueles que, um pouco mais experientes que eu, leem este texto, sabem, por experiência, que no atual molde social, é extremamente complicado ser-se pai sem que haja um mínimo de estabilidade financeira.
Atrevo-me mesmo a dizer que, presentemente, ser-se pai e ter uma vida financeira (minimamente) estável são dois vetores indissociáveis, dependendo, em larga medida, o primeiro do segundo.
Posto isto, a que estabilidade financeira podem aspirar os nossos jovens?
O desemprego jovem apresenta números brutais;
Os estágios profissionais são, na maioria das vezes, busca de mão-de-obra barata e descartável;
Os contratos a prazo são a regra e não a exceção;
O conceito de “trabalho para a vida” (job for life) faz parte do passado;
Os estudos prolongam-se cada vez até mais tarde, com mestrados por vezes obrigatórios, acrescidos de estágios profissionais obrigatórios para as Ordens Profissionais.
Não ter os estudos terminados com 24/25 anos é cada vez mais comum.
E na maioria das vezes, o que espera os nossos jovens são anos a fio de contratos precários, muitos deles em áreas completamente opostas à área de formação.
Notem que não vejo qualquer problema em trabalhar fora da área de formação, considero até que é algo extremamente enriquecedor e proveitoso para o crescimento pessoal e social. Contudo, tal dificilmente traz estabilidade. E com a falta dela, adia-se indefinidamente a maternidade e a paternidade.
Neste sentido, aliando-se a precariedade presente com mudanças no paradigma social como a forma como se encara o casamento (em 1960, por cada 100 casamentos, 1,1 divórcios, em 2000, por cada 100 casamentos, 30 divórcios, para estrondosos números de 2013, por cada 100 casamentos 70 divórcios) e um crescente narcisismo social, levam a que ter filhos seja cada vez menos uma prioridade, levando a um adiamento sistemático e, por vezes até à sua não realização.
Se para tal mudança de paradigma não tem qualquer impacto para aqueles que nunca almejaram ser pais, para aqueles que sempre viram tal momento como a realização suprema da vida humana, o cenário é preocupante.
Todavia, se o cenário não é animador para o pretenso progenitor, ainda menos animador é para a sociedade como um todo. Sim, o atual cenário demográfico só pode significar uma coisa: a morte definitiva e indultável do estado social e da sociedade como a conhecemos. Desde o início do 3º ciclo (7º/8º ano) aprendemos a importância do índice de renovação de gerações. A cifra mágica de 2,1 que nos permite repor as gerações e manter a sociedade sustentável e sustentada (por cada casal, deverão ser concebidos, em média, 2,1 filhos). Uma vez mais, os valores são aterradores, 1,30 é o índice sintético de fecundidade de 2015.
Mas, feitas as contas, o que significa isso para nós, enquanto sociedade?
Em primeiro lugar, significa que a atual tendência implica, forçosamente, falta de jovens no mercado de trabalho, o que torna como consequência imediata a falta de cidadãos para contribuir com os seus impostos para que o atual modelo social se mantenha. Augura-se o fim do atual modelo de providência social (a Segurança Social, tal como a conhecemos, vai acabar, aumentos de custos brutais com saúde, entre outros).
Assim, conjugando-se a falta de mão-de-obra, em termos quantitativos e a consequente falta de liquidez do Estado e da economia, com os aumentos de custos de sistemas como a saúde e a providência, teremos economias com crescimentos negativos ou anémicos. Teremos uma pequena parte da população a contribuir para as despesas dos restantes. Se acrescermos a esta balança, já de si altamente desequilibrada, os atuais valores de dívida pública, que as gerações futuras terão de suportar (tema que analisei com maior profundidade no comentário de Dezembro), e como disse alguém certo dia, “é só fazer as contas”.