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Detidas em Macau no aniversário de Tiananmen defendem direito à manifestação pró-Pequim

As duas irmãs detidas em Macau no dia da vigília proibida em memória do massacre de Tiananmen defenderam em declarações à Lusa o direito à manifestação pró-Pequim que aconteceu 24 horas depois, sem qualquer ação policial.

 

“Eles são livres de expressar a sua opinião. Não concordamos com a opinião deles, mas têm todo o direito de fazerem o que querem. A polícia está a ser razoável com eles, mas não connosco”, disseram, a meias, Cherry Au e Christy Au, que estão a ser investigadas por reunião ilegal.

 
 

As jovens são ambas filhas do deputado pró-democracia Au Kam San, um dos organizadores da vigília sobre Tiananmen que este ano foi proibida em Macau pela primeira vez em três décadas e que acabou por realizar-se dentro de uma casa, com transmissão ‘online’ na noite de 04 de junho.

A pandemia da covid-19 foi dada como justificação pelas autoridades para banir a iniciativa. Mas, no dia seguinte, um grupo de cerca de 40 pessoas encheu um autocarro turístico e manifestou-se em vários pontos de Macau, em apoio à lei da segurança nacional que Pequim quer impor a Hong Kong, a vizinha região administrativa especial chinesa que em 2019 foi abalada por grandes protestos pró-democracia.

 
 

Duas velas, um livro sobre o massacre de Tiananmen e uma fotografia para as redes sociais, após a vigília dentro de quatro paredes, terá ‘justificado’ a intervenção policial, assinalam ironicamente as jovens rsidentes de Macau.

Já a manifestação ‘sobre rodas’ de apoio à legislação que o regime chinês decidiu impor à região semi-autónoma de Hong Kong, passou despercebida à vigilância da Polícia de Macau, que diz ter tido conhecimento da iniciativa apenas através dos ‘media’.

 

Confrontadas com a aparente dualidade de critérios, as forças de segurança garantiram que iam investigar a existência de irregularidades na iniciativa “de apoio ao Governo central”, mas avançaram desde logo com uma primeira conclusão: “Não considerámos esta atividade como uma manifestação”.

Cherry e Christy Au vivem no Reino Unido. A primeira estuda fotografia de moda, a segunda bioquímica. Ali estudam, respetivamente, há 13 e há 9 anos.

 

“Vimos sempre a Macau nas férias de verão. Na minha mente parecia tudo sempre razoável, por isso é uma espécie de surpresa para mim [o que aconteceu] e, francamente, um pouco ridículo”, desabafou Christy, de 25 anos, um ano mais nova do que a irmã.

“É estranho, definitivamente. Nós costumávamos pensar que estávamos numa cidade democrática”, acrescentou Cherry.

 

Na noite de 04 de junho, sentadas debaixo de uma árvore, à frente da igreja de São Domingos, foram inicialmente abordadas por polícias à paisana. Minutos depois, por outro grupo de agentes.

À terceira abordagem pediram-lhes para falarem numa carrinha: “Perguntámos porquê. Disseram-nos que era para verificar a nossa identidade. O que já tinham feito duas vezes. A conversa foi casual, com uma mulher polícia. (…) Fomos levadas para a esquadra e estivemos lá três horas. (…) De meia em meia hora vinham falar connosco, a perguntar o que estávamos a fazer, quem nos tinha dado as velas, quem nos tinha dado o livro, se aquilo tinha sido espontâneo. Viram tudo o que tínhamos connosco, fotografaram tudo (…) e acabaram por ficar com as duas velas e o livro”, contaram.

O pior estava reservado para o final: “Foi-nos dito que estavam a ponderar acusar-nos de reunião ilegal. (…) Chegámos a perguntar se podiam definir reunião e da primeira vez disseram-nos que mesmo se fosse uma pessoa, se estivesse muito tempo num sítio, tal podia ser encarado como uma reunião”, recordaram.

Cherry e Christy dizem não ter medo da investigação e de eventuais sanções, que garantem desconhecer porque nem sequer tiveram a curiosidade de tentar saber quais são. “Não podemos fazer nada agora. Não fizemos nada de errado. (…) Queríamos tirar uma foto, no banco, com igreja como fundo, que era onde costumávamos fazer a vigília. Tínhamos só o livro e duas velas, fomos super discretas, (…) nunca estivemos a gritar ‘slogans’, ou a mostrar cartazes, a fazer discursos”, asseguram.

A mais velha, guardou na memória um arrependimento: que a mãe tenha publicado, no dia seguinte, no Facebook do pai, a imagem que a jovem tirou com o telemóvel na noite em que foi detida: “não era nada de especial” e isso pode arruinar a sua reputação enquanto estudante de fotografia de moda, brincou, entre sorrisos.

Na fotografia a preto-e-branco vê-se Christy, de costas, sentada num banco, com a igreja pela frente, e uma parte da praça, quase deserta. Ao lado da jovem, no banco, duas velas ladeiam e ‘iluminam’ o livro sobre Tianamen.

Hong Kong e Macau são os únicos lugares na China onde é permitido assinalar o massacre de Tianamen, que Pequim não reconhece. O evento ocorreu a 04 de junho de 1989. O movimento estudantil a partir do qual se exigiam reformas democráticas ao regime chinês foi violentamente reprimido, causando um número indeterminado de mortos.

Este ano, pela primeira vez, as autoridades proibiram as habituais vigílias que recordam as vítimas de Tiananmen nestas duas regiões semi-autónomas, invocando o risco de propagação da covid-19. Ao contrário de Macau, e apesar da proibição, em Hong Kong saíram para a rua milhares de pessoas para assinalar a data.

Macau, após mais de 400 anos sob administração portuguesa, passou a ser uma Região Administrativa Especial da China a 20 de dezembro de 1999, com um elevado grau de autonomia acordado por um período de 50 anos.

O mesmo aconteceu com a vizinha Hong Kong, dois anos mais cedo.

Em ambos os casos, Pequim aplicou o princípio “Um País, Dois Sistemas”, que permitiu a Hong Kong e Macau manterem o sistema capitalista e o seu modo de vida, incluindo direitos e liberdades de que gozavam as respetivas populações. As duas regiões têm autonomia em todas as áreas, exceto na diplomacia e na defesa.

JMC // PJA

Lusa/Fim

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