Manuel Merino, o presidente do Peru que só aguentou o cargo por cinco dias
Manuel Merino, presidente do Congresso peruano que havia assumido na última terça-feira a presidência interina do país, após promover a destituição do popular Martín Vizcarra, renunciou neste passado domingo. A decisão foi tomada depois da repressão de protestos pró-democracia contra o novo chefe de Estado que resultaram em dois mortos e uma centena de feridos.
Após uma chegada ao poder que surpreendeu os peruanos e agitou os mercados, Merino, de centro-direita, sentiu a pressão de cinco dias de protestos protagonizados por milhares de pessoas no país, principalmente jovens.
“Quero tornar público para todo país que apresento a minha renúncia”, declarou Merino em uma mensagem ao país transmitida pela televisão, o que deflagrou uma celebração imediata nas ruas de Lima, um dia depois da violenta repressão a manifestações, com saldo de dois mortos e mais de 100 feridos.
O escolhido será o terceiro presidente em menos de uma semana, num país duramente atingido pela pandemia da covid-19 e pela recessão económica, que mergulhou numa crise política quando o Parlamento removeu o presidente popular Martín Vizcarra em um julgamento relâmpago na segunda-feira.
A repressão policial, que atingiu níveis desproporcionais contra manifestantes pacíficos, marcou a ferro e fogo a breve e polémica gestão de Merino.
As manifestações do sábado deixaram dois mortos e 94 feridos, segundo autoridades do Ministério da Saúde. Porém, a Coordenadoria Nacional de Direitos Humanos afirmou que ao todo foram 112 feridos, acrescentando que também há 41 manifestantes “desaparecidos” após os protestos em Lima e outras cidades do país.
A repressão a esses protestos custou o pouco apoio político que tinha Merino. Dez dos 18 ministros do gabinete de Merino renunciaram no sábado e o presidente do Congresso, Luis Valdez, exigiu a sua “renúncia imediata”, somando-se ao pedido dos milhares de manifestantes desde terça-feira. Valdez tinha apoiado Merino no julgamento relâmpago contra Vizcarra e colocado a faixa presidencial no novo chefe de Estado na última terça-feira.
“O Congresso deve pedir desculpas ao país por uma decisão tão irresponsável (de destituir Vizcarra)”, afirmou a parlamentar de esquerda Mirtha Vásquez, da Frente Ampla, um dos 19 parlamentares que votaram contra a saída de Vizcarra, que foi alvo de impeachment.
Os mortos nas manifestações de sábado foram identificados como Jack Bryan Pintado Sánchez, de 22 anos, e Inti Sotelo Camargo, de 24 anos, segundo a polícia. Fotos de ambos circulam nas redes sociais com a legenda “Heróis do Bicentenário” (que o Peru completará em 28 de julho de 2021).
A ação policial tem sido duramente questionada pela ONU e por organizações de direitos humanos, como a Amnistia Internacional, desde que começaram os protestos na terça-feira. Foi nesse dia que Merino assumiu o cargo.
Até alguns jogadores da seleção peruana de futebol, concentrados para enfrentar a Argentina em Lima na próxima terça-feira em jogo de apuramento para o Campeonato do Mundo de 2022, publicaram nas redes sociais pedidos para que Merino recue.
Após a renúncia de Merino, o Peru ficará sem presidente por algumas horas, até que o Congresso designe um novo entre os seus membros, possivelmente algum dos 19 parlamentares que não votaram a favor do impeachment de Vizcarra.
Isso ocorrerá em uma sessão convocada para às 16:00 locais (21:00 em Lisboa). Isso significa que, durante seis horas pelo menos, o Peru não terá presidente.
Após duas décadas em segundo plano, durante as quais foi representante no Congresso da região de Tumbes, a mais pequena do Peru, Merino saiu do anonimato em setembro, ao promover um primeiro processo de destituição contra Vizcarra, que não prosperou. “É um momento muito difícil para o país, aqui não há nada a comemorar”, afirmou esta semana no seu primeiro discurso como presidente, um dia após a destituição de seu antecessor.
Como chefe do Congresso, Merino era o primeiro na linha de sucessão do Peru, que não tem a figura do vice-presidente. O viés populista das leis económicas que o Congresso aprovou sob a sua direção nos últimos meses, durante a pandemia, como permitir cobranças sobre os fundos de pensão e congelar dívidas com os bancos privados, despertou temores nos círculos financeiros.
Além do custo do julgamento político relâmpago de Vizcarra, que goza de alta popularidade no país, os protestos e os questionamentos sobre a sua legitimidade resultaram num grande desafio para Merino. A composição do Congresso também complicou a solidez de seu governo, com quatro partidos populistas rivais dividindo o controlo numa aliança complexa.
Merino, 59, engenheiro agrónomo e pecuário, foi eleito em março presidente do Congresso. Ganhou uma cadeira — com apenas 5.271 votos — nas eleições legislativas extraordinárias de janeiro, convocadas por Vizcarra após dissolver constitucionalmente o Congresso em setembro de 2019.
A eleição de Merino como presidente do Congresso foi promovida pela bancada do Ação Popular, partido do qual é membro há 41 anos e principal minoria na Câmara. Mas a oportunidade de fazer história acabou por ser apresentada a Merino, casado há 35 anos com a professora Jacqueline Peña, com quem tem três filhas.
Nascido em 20 de agosto de 1961, na região de Tumbes, Merino foi legislador entre 2001 e 2006, e de 2011 a 2016, antes de voltar ao Congresso. “É um típico cacique provinciano, um político discreto, eleito três vezes representante de Tumbes”, diz o analista José Carlos Requena. “Não é do tipo que se destaca. Afiliado a apenas um partido durante toda a vida, é visto como um político tradicional, da velha escola.”