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A ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS

Tal como Saramago, que receava morrer sem perceber porque é que os portugueses colaboravam tão pouco entre si (inviabilizando assim o crescimento económico, entre outros fatores), também nós partilhamos esse receio e não vemos forma de o contrariar, a não ser recorrendo ao absurdo como forma de compreensão da realidade. Um absurdo possível pode estar nos contos de fadas, neste caso na Alice no País das Maravilhas.

 

A Alice questiona-se porque é que as pessoas seguem regras e regulamentos aparentemente sem sentido, sem sequer se questionarem, no que é seguida pelo Chapeleiro Louco, que acha que as pessoas desenvolvem uma série de atividades e rotinas que fazem sentido para elas mas que, para um observador externo, parecem coisas absurdas que não fazem sentido dentro do sistema como um todo. Ele sabe que as organizações criam, por vezes, uma realidade própria, que pouco tem a ver com o mundo real, isolando-se dentro dela exatamente da mesma forma como uma pessoa se isola dos outros. E ambos os personagens têm receio da Rainha de Copas, que só tem pensamentos exagerados e distorcidos relativamente aquilo que deve ser feito, fazendo perguntas retóricas, sem ligar às respostas. É certo que uma defesa possível seria o humor, que ajuda a tornar tudo mais flexível, mas quem se atreve a parecer não convencional e defender o respeito pelo poder do nonsense, como pergunta o Gato Risonho? Ele bem sabe que quem se rir da ideia vigente sujeita-se a ser decapitado.

 
 

A Alice reforça esta perspetiva chamando a atenção que ela própria está de tal maneira envolvida nas suas atividades que não encontra tempo para colaborar com as outras pessoas, coisa que o Chapeleiro Louco reforça dizendo que essa colaboração não ocorre simplesmente porque as pessoas não se dispõem a tomar chá juntas, e o Coelho Branco ajuda dizendo que a cultura da competição ganha terreno à da colaboração, sendo as pessoas recompensadas por chegarem primeiro, ou por serem mais fortes. Como diz a Alice, as pessoas esqueceram-se do sentimento de fruição criativa da colaboração conjunta.

E, no fundo, todos sabem que não é exatamente por falta de tempo que tal acontece, pois existe tempo de sobra. Por exemplo naquelas reuniões aborrecidas, em que a Alice acorda de vez em quando, só para concluir que o melhor é adormecer outra vez. Essas tais reuniões em que as flores nunca concordam umas com as outras, pois todas dizem algo diferente, tornando impossível a compreensão mútua. E o Coelho Branco também acha que isso acontece porque elas se queixam que não têm tempo e estão com pressa e que, por isso, demoram muito mais tempo do que aquele que seria necessário se se ouvissem umas às outras.

 
 

Tudo isto faz com que a Alice nunca saiba exatamente quem é sincero e quem não é, não sabendo assim em quem confiar, para poder colaborar.

Fernando Cardoso de Sousa
Presidente da Direção da Associação Portuguesa de Criatividade e Inovação

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