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A cultura do trabalho excessivo

Tempos escolares trazem épocas de avaliações e estas traduzem-se em stress, ansiedade, questionamento da nossa identidade e muitas crises existenciais. Estas reações, psicológicas e físicas, espelham a pressão que sentimos – a pressão de seremos os melhores e
de provarmos o nosso valor através da academia.

 


A verdade é que vivemos na era mais competitiva da História: onde o nosso sucesso é medido ao milímetro – avaliado como sempre, mas comparado como nunca. A cultura dos currículos profissionais (o mais longos possíveis!) e a religião do Linkedln fazem com que
sejamos, cada vez mais, seres que olham para o trabalho alheio como uma ameaça e competição feroz. Fica assim o objetivo de a combater e derrotar, ao invés de a perspetivarmos, não como uma ameaça, mas como uma oportunidade de crescimento mútuo
e saudável (sem as muitas camadas de pressão que nos são impostas pela sociedade capitalista).

 
 


Nos dias de hoje, evoluímos comos seres humanos cintados no individualismo e, por conseguinte, cintados na desconfiança e aversão ao próximo. Esta forma de crescer espelha-se em todos os aspetos da nossa vida levando a que este fenómeno – a expressão individual
excessiva – nos magoe a nós mesmos, nos magoe pelos nossos juízos de valor internos dos quais não nos conseguimos livrar. A comparação, potenciada pelos moldes da singularidade, está presente nas nossas vidas e nós já não conseguimos sair das amarras dela. Somos objeto de análise e a resposta a este exercício tem sempre que se traduzir na nossa sobrevalorização em relação a tudo e todos.


O sistema moldou-nos assim.

 
 


As notas são mais facilmente enaltecidas que o nosso conhecimento e as avaliações passaram a ditar o nosso valor. Todos estes mecanismos e formas de pensar levam que haja uma sobrecarga não só laboral e académica como também física, emocional e até espiritual.


Criam-se conceitos como “workalchoolic” e romantiza-se o trabalho excessivo, duro e penoso. Deixa de existir um ser fora da bolha de trabalho ou estudantil e somos completamente absorvidos por esta pressão social que, a longo prazo, se traduz numa pressão
individual e de valor.

 


Estamos cientes da gravidade da escravidão e abominamo-la, mas, ironicamente, somos escravos do capitalismo de forma extremamente subliminar. Não nos apercebemos que somos explorados e submissos, como ainda vangloriamos o sistema e o idolatramos por sermos máquinas que estão sempre a produzir e, por corolário, temos relevância, peso e notoriedade (é isto que o sistema nos leva a pensar).


Por vezes, temos mesmo que desconstruir estes conceitos e ir à raiz das nossas dores de cabeça ou do motivo das nossas insónias – é a nota deste teste que vai definir o quanto eu valho, seja enquanto estudante seja enquanto indivíduo? É eu ficar até mais tarde no
escritório a fazer horas-extra não remuneradas que me faz ser uma boa funcionária? Será que é saudável trazer os meus problemas laborais para casa e não me conseguir abstrair deles? A resposta a todas estas perguntas é claramente “não”, mas o sistema capitalista manipula-nos a responder “sim”. Contudo, o poder da resposta e da palavra não deixa de estar em nós. Deste modo, temos que ser agentes mais pró-ativos e mais firmes na nossa refutação em força.

 

Sejamos nós os primeiros a desconstruir, em primeiro lugar, estes preceitos nas nossas mentes e, no segundo plano, a transpô-los para as instituições, as empresas, as escolas e as universidades. A mudança começa por dentro e reproduz-se para fora. Desta forma, nesta
época de exames nacionais, que na maioria das vezes é sinónimo de stress e ansiedade, pensemos que é mais uma avaliação na nossa vida, que é importante, mas que não nos delimita ou estabelece qualquer pressuposto; que é uma avaliação considerável, mas não
justifica (nada justifica!) a nossa saúde mental e, no seu expoente máximo, um burnout.


Só estes pequenos passos conseguem mudar as normas da nossa sociedade, cada vez mais conformista, e livrar-nos destes pensamentos intrusivos e tóxicos para nós que somos seres merecedores de lazer e paz.

 

Texto de: Jéssica Pereira

Artigo publicado em parceria com a Associação de Debates Académicos da Universidade do Minho

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