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Capitalismo ou liberdade:

Como Angela Davis diz, a liberdade é uma luta constante: desde os tempos em que os seres humanos se começaram a organizar e viver em sociedade que os grupos mais poderosos e influentes, capazes de ditar as regras do sistema, oprimem e restringem as liberdades dos grupos mais vulneráveis de modo a extrair mais valias dessa opressão, perpetuando o sistema, e assim, o modo como este é governado.
Quando é alcançado um ponto de rotura, em que o grupo oprimido se apercebe das más condições em que é forçado a viver pelo sistema e das liberdades que lhes estão a ser retiradas, esses indivíduos começam a questioná-lo e a clamar por uma mudança de paradigma que ponha fim à sua opressão.

 


Porque é que isso ainda não aconteceu com o sistema capitalista?
As falhas do sistema têm-se tornado cada vez mais flagrantes: já muitos são aqueles que se apercebem de que quem nos conduz para crises financeiras gravíssimas, apocalipses climáticos, e uma realidade em que se sabe que existe trabalho infantil, trabalho escravo, lucros excessivos de um lado e fome, desespero e miséria do outro, não nos pode estar a conduzir na direção certa; está, de facto, e sem outras palavras possíveis, a conduzir-nos para o nosso fim enquanto espécie.

 
 


Como é que, então, o sistema capitalista ainda é aceite e visto como a única alternativa pela maioria?
O sistema capitalista é um sistema económico que se baseia na propriedade privada e na condução das atividades económicas visando a
maximização de lucros. A divulgação e legitimação do capitalismo como melhor forma de guiar as atividades económicas deve-se à ampla influência cultural que as obras de Milton Friedman, célebre economista americano; influência essa que se estendeu desde a formação de opinião pública à gestão de dois dos mandatos políticos mais influentes nos últimos tempos (Thatcher no Reino Unido e Reagen nos EUA) , e perdura até aos dias de hoje.


A sua obra Capitalismo e Liberdade é uma tese sobre como só o sistema capitalista é capaz de garantir a liberdade económica dos indivíduos, sendo os mesmos capazes de exercer, por isso, as suas liberdades políticas e individuais.
Efetivamente, este sistema é provavelmente o melhor a proteger as liberdades económicas dos grupos sociais mais privilegiados: com os mercados de bens, serviços e trabalho flexíveis e iniciativa privada ferozmente desregulada, a elite corporativa, financeira e bancária pode praticar preços altos, fazer especulação, contratar trabalhadores por salários abaixo da mais valia que estes acrescentam na sua empresa, poluir o quanto quiserem, pagar poucos impostos, e, caso o Estado se atreva a interferir com as suas liberdades económicas, mudar a sua sede para um país onde seja mais fácil passar por cima dos direitos dos grupos mais vulneráveis para ver salvaguardadas essas mesmas liberdades. Neste sistema, ter dinheiro e poder é então ter poder de negociação e, consequentemente ter mais ou menos capacidades de proteger direitos e liberdades individuais.

 
 


Por isso, para certos cidadãos, as trocas económicas não acontecem de forma voluntária: existe uma maioria de trabalhadores que por estarem numa situação socioeconómica desfavorecida e perpetuada pelo sistema, são coagidos a aceitar empregos mal remunerados, uma exploração física e mental cruel durante toda a sua jornada enquanto peões do mercado de trabalho, habitar em cubículos para humanos em grandes centros urbanos para não viver na rua, comprar alimentos pouco nutritivos porque não têm tempo nem dinheiro para poder escolher melhor, etc. Isto tudo enquanto aplaudem narrativas capitalistas e neoliberais, as mesmas narrativas que os explora e oprime, porque estas são capazes de vender sonhos como da mobilidade social do conforto materialista que, na realidade, não passarão disso mesmo.


Esta é assim uma narrativa mais preocupada em proteger a liberdade de um grupo minoritário favorecido que apenas o é à custa do desrespeito pela liberdade de um grupo maioritário tornado desfavorecido, e que, num plano mais macro, acaba por nos expurgar a liberdade a todos, já que somos uma sociedade obrigada a viver para o trabalho e para o lucro onde não nos resta tempo nem capacidade para aproveitar as coisas pelas quais vale a pena viver: a arte, a cultura, o lazer, as relações, as pessoas; a vida.

 

Assim, no status quo, a luta pela liberdade implica necessariamente a luta contra o capitalismo e o clamor por um sistema alternativo.
O que podemos fazer? Aquilo que, ao longo desta luta coletiva pela liberdade sempre foi a arma mais perigosa contra a opressão, abrindo caminho para uma revolução e mudança de paradigma: o pensamento insurgente de o status quo (capitalismo) não é a única alternativa de vivermos enquanto sociedade, e, acreditando nisto, a promoção do diálogo e debate sobre sistemas alternativos.

Texto de: Sofia Pires

 

Artigo publicado em parceria com a Associação de Debates Académicos da Universidade do Minho

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