Quantcast
 
 

“Deixai vir a mim as minhas criancinhas”

“Deixai vir a mim as minhas criancinhas”

 

Fico perplexo com a perplexidade com que a sociedade fica sempre que abrem o jornal e leem: mais um padre suspeito de violações. Depois do caso de Boston, seria de esperar que as pessoas já soubessem que existe uma percentagem de membros do clero que são “alegados” violadores de crianças, com certeza que em Portugal não seria diferente.

 
 

Normalmente, quando casos como estes aparecem, pessoas que começam com a habitual retórica que a vítima só quer mediatismo, o que nestes casos não podia estar mais longe da verdade.

Nestes crimes, as vítimas são geralmente pessoas já falecidas, que se suicidaram por causa das atrocidades cometidas por quem as prometeu proteger. Pessoas que conseguiram seguir com a sua vida, muitas vezes com filhos e não querem expor a sua família. E pessoas que seguiram a vida religiosa fazendo agora parte do sistema. Maior parte destes crimes já prescreveu ou são difíceis de provar, por isso estas vítimas não têm nada a ganhar, sem ser paz de espírito por tentar que o que aconteceu com eles não aconteça a outra criança.

 
 

Confesso (mas não no confessionário da paróquia de Ronfe) que depois de ouvir as declarações de 2019 do Bispo do Porto, D. Manuel Linda, “Ninguém cria uma comissão para estudar os efeitos do impacto de um meteorito na cidade do Porto”, “É possível que caia aqui um meteorito? É. Justifica-se uma comissão dessas? Porventura não”, fiquei um pouco despreocupado. Realmente o senhor tinha razão, estavam a cair meteoritos por toda a Europa, mas por vontade de Deus, ou talvez de algum ajudante de deus na terra, nenhum meteorito parecia cair em Portugal.

Analisando todo o cenário atual, deveríamos ter desconfiado das afirmações deste indivíduo. Em primeiro porque o mesmo sujeito tinha feito umas declarações um bocado contraditórias em 2018, “Talvez tenha havido alguma intimidade, mas não uma intimidade daquelas mais chocantes.”, que usando os trocadilhos deste alto representante da igreja, talvez se possa traduzir para: lá fora chove meteoritos, mas aqui em Portugal só chove granizo. Em segundo, podemos presumir que quem não quer uma comissão independente a investigar é porque tem alguma coisa a esconder. Com a chuva de escândalos das últimas semanas, será que a igreja terá o mesmo destino dos dinossauros? Isso só o futuro nos dirá…por agora duas pessoas tentam resolver a situação: o astrónomo D. Manuel Linda e o cidadão Marcelo Rebelo de Sousa.

 

Em 2022, o ainda Bispo do Porto (vá se lá saber como), D. Manuel Linda, resolveu prestar declarações sobre o possível encobrimento de alguns casos, nas quais proferiu estas palavras e passo a citar, “O crime de abuso não é um crime público”, e ainda disse que não tinham obrigação de ter alertado as autoridades. Apesar de todas a entidades competentes já terem desmentido as palavras deste senhor, nunca é demais deixar a nota, que sim, estes crimes têm obrigatoriedade de ser denunciados às autoridades.

Ora bem, recapitulando o percurso deste indivíduo que deve pensar que tudo fica perdoado com dois pais nossos e uma ave maria: em 2018 começa por dizer que talvez haja assédio na igreja, mas não violações; em 2019 disse que não há necessidade de uma comissão porque os crimes não existem; e em 2022 afirma que não havia obrigatoriedade de alerta das autoridades em relação a violações e assédios na igreja (com certeza que essas pessoas iam ser julgadas por Deus e depois realocadas para outras paróquias onde ainda não tinham violado ninguém).

 

Talvez haja uma explicação bastante óbvia, na minha humilde opinião, para este bispo ainda se encontrar no ativo e as nomeações e ordenações dos líderes das dioceses católicas do país estarem a demorar mais que o esperado. As autoridades de Roma estão à espera do resultado da comissão independente, que está previsto de sair no final de Janeiro, para tomar essas decisões. Afinal não querem nomear ninguém que esteja implicado em nenhum caso de abuso ou encobrimento. O que pelo andar da carruagem, será difícil, à velocidade que estes casos têm saído, não sei se em janeiro haverá alguém com a batina limpa.

Quanto a nós, comuns mortais, só pedimos que os relatórios e resultados dessa mesma comissão sejam o máximo transparentes possíveis, e que estejam disponíveis para consulta na íntegra para todos, pois sabemos como estas instituições patriarcais com séculos de existência gostam de esconder os seus arquivos.

 

Entretanto D. José Ornelas, Bispo de Leiria-Fátima, é suspeito de encobrimento de dois casos de abusos envolvendo múltiplos integrantes do clero. E como quem tem um amigo tem tudo, o mais alto representante de um estado laico, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, resolveu indiretamente tomar o lado dos possíveis violadores, em vez de transmitir empoderamento para as vítimas. Afinal quais são as vítimas que no futuro vão apresentar queixa contra o amigo do presidente dos beijinhos e abraços.

Após a confusão criada pela primeira notícia sobre este assunto, que implicava que o presidente tinha avisado o amigo antes de mandar a denuncia para o ministério público, o que seria no mínimo motivo para a sua renúncia ou remoção do cargo. Fontes oficias de Belém resolveram esclarecer a situação, confirmando que somente após encaminhar a denuncia para a Procuradoria-Geral da República e após o contacto com a comunicação social, é que o cidadão Marcelo (apenas o cidadão, porque o presidente a essa hora já estava a dormir), resolveu avisar o seu amigo D José Ornelas via chamada telefónica.

Agora fica a seguinte questão a pairar no ar, se o senhor em questão ia descobrir que era suspeito por os jornais, para que foi a chamada afinal? Nunca saberemos, mas Podemos imaginar que a chamada em questão deve ter sido algo deste género:

– Tou Ornelas, tá tudo mano, acabei de encaminhar uma denúncia contra ti para a PGR, se calhar é melhor esconderes as crianças, senão nunca mais conseguimos aquele Nobel da Paz do Ximenes.

À qual o Ornelas abre a bíblia e diz:

– “Deixai vir a mim as minhas criancinhas” Mateus 19:14

Nota Final: Este texto foi escrito antes das declarações polémicas do presidente Marcelo Rebelo de Sousa, sobre o número de vítimas, onde claramente escolhe, mais uma vez defender os alegados agressores, em vez de apoiar as vítimas. E de seu companheiro Antônio Costa vir mais uma vez passar um atestado de insipiência a todos os portugueses, como tem feito nos últimos 6 anos.

Texto: Rúben Pereira

Artigo publicado em parceria com a Associação de Debates Académicos da Universidade do Minho

Comentários

comentários

Você pode gostar...