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Mudam-se os tempos, permanecem as vontades

Estava eu, há uns dias, na Biblioteca Municipal a folhear jornais do início do século XX no âmbito de uma investigação para um projeto da minha entidade patronal, quando me deparo com um artigo, numa edição do Correio do Minho de 1903, intitulado: “Linha Férrea-
Movimento de Protesto”. Será possível- pensei eu incrédulo, será que Camões me mentiu e todo o mundo afinal não é composto de mudança?

 
Rui Rodrigues


Como bem sabemos, atualmente a ferrovia portuguesa é lastimável. Entre 25 países europeus, o sistema ferroviário português tem a terceira nota mais baixa no ranking elaborado pela Boston Consulting Group. Esta mal vê investimento desde o tempo da monarquia, o que é evidenciado por linhas em estado degradante ou inativas, principalmente no interior do país.

 
 


O Minho é uma prova de mau planeamento da rede ferroviária. A linha do Minho (finalmente “renovada” em 2021) vai do Porto até Valença, deixando de fora alguns dos maiores concelhos da região como Braga e Guimarães que demoram, de comboio, 20 minutos e 1 hora para fazer ligação à linha, respetivamente e outros grandes concelhos que nem ferrovia ativa possuem como Esposende, Fafe, Vila Verde, Ponte de Lima, que juntos albergam cerca de 170 mil pessoas.


O investimento na ferrovia poderia contribuir para algumas das maiores prioridades, neste momento, na agenda política como a transição ecológica, através do uso reduzido de carros e o investimento em mobilidade mais sustentável, e da descentralização, prioridade cada vez mais crescente com a crise nos preços da habitação, podendo algumas pessoas abandonar os centros urbanos, caso tivessem ligações eficientes a estes para irem trabalhar ou desfrutar de algumas das regalias que estes oferecem. Tendo isto em conta, não seria um erro assim deduzir que seria de amplo interesse governativo o investimento nesta, mas, com o passar dos anos, a esperança começa a desvanecer.

 
 


O artigo que mencionei no primeiro parágrafo relata um protesto da associação comercial de Braga, que revindicava ao governo a construção de um troço Braga-Guimarães-Chaves e de uma ligação de Braga a Monção: “Todos reconhecem a grande falta, a inqualificável tolice, o desproposito sem nome, de não terem feito passar por Braga, o caminho de ferro do Minho.
Posta a província em comunicação direta com o Porto sem passar por Braga, é toda a vida desta riquíssima região absorvida pela aquela cidade. Se a linha do Minho tivesse passado por Braga e seguido a sua natural direção através dos concelhos de Vila Verde, Ponte de Lima, Arcos até Monção, além do grande valor estratégico que esta teria…”


Através do excerto que citei conseguimos retirar que já se reclama sobre a falta de profundidade da ferrovia há pelo menos 120 anos e que nenhum regime quis efetivamente realizar um investimento sério nesta, em locais que não se chamem Porto ou Lisboa. Parece
que estamos assim condenados a que mudem os tempos, mas permaneça a pouca vontade política de realizar mudanças neste capítulo. Continuamente, vamos vendo novidades, diferentes em tudo da esperança, como um país cada vez mais centralizado e com menos
poder de compra e condições dignas de vida.

 

TEXTO DE: Rui Rodrigues

Artigo publicado em parceria com a Associação de Debates Académicos da Universidade do Minho

 

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