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Primeira Carta Pastoral de D. José Cordeiro como Arcebispo de Braga

Intitulada “Juntos, somos Igreja sinodal samaritana. Onde há amor, aí habita Deus”, é a primeira Carta Pastoral de D. José Cordeiro como Arcebispo de Braga.

 
FOTO ARQUIDIOCESE DE BRAGA


O documento encontra-se dividido em sete pontos: “Fazer Sinodalidade”, “A JMJ 2023 – Caminhar com os Jovens”, “O Ano Litúrgico – Ano Pastoral”, “Visita Pastoral”, “Peregrinação ao Encontro do(s) Outro(s)”, “Escuta e Formação” e “Juntos na Missão”.

 
 

A Carta Pastoral alude a algumas mudanças, como o início do novo Ano Pastoral, e adianta o dia em que terá início a Visita Pastoral na Arquidiocese de Braga.

Pode ser lida na integra:

 
 

“Irmãos e Irmãs:

Graça, Misericórdia e Paz!

 

Nesta saudação muito cordial, abraço D. Nuno Almeida, estimado Bispo Auxiliar, e todos e cada um dos arquidiocesanos.

O projeto do triénio pastoral (2020-2023), iniciado pelo meu antecessor, D. Jorge Ortiga, conclui-se com o próximo Ano litúrgico e pastoral sob o tema “Onde há amor aí habita Deus. Uma Igreja sinodal samaritana”.

 

De facto, somos criados e recriados por amor e não podemos viver sem amor: «eu amava amar e ser amado» – declara Santo Agostinho, nas “Confissões”.

O testemunho da caridade é dimensão fundamental na vida da Igreja, como nos relembrou o Papa Francisco na carta apostólica “Desiderio desideravi” (n. 37): «A pastoral de conjunto, orgânica, integrada, mais do que ser o resultado de programas elaborados é a consequência do colocar no centro da vida da comunidade a celebração eucarística dominical, fundamento da comunhão. A compreensão teológica da Liturgia não permite de modo algum entender estas palavras como se tudo se reduzisse ao aspeto cultual. Uma celebração que não evangeliza não é autêntica, tal como não o é um anúncio que não leve ao encontro com o Ressuscitado na celebração: ambos, por fim, sem o testemunho da caridade são como o bronze que soa e como o címbalo que retine (cf. 1 Cor 13, 1)».

 

O maior perigo que a Igreja pode correr na evangelização, na celebração e na diaconia da caridade é querer viver como se Cristo não estivesse vivo e ressuscitado. Ele, Bom Samaritano, continua a gerar e a acompanhar a Sua Igreja.

Juntos, em processo sinodal dinâmico, seremos capazes de imaginar um futuro diferente para a Igreja Bracarense: alegria contagiante, escuta acolhedora, portas abertas, mãe que busca os seus filhos, centrada no Evangelho, discípula missionária, formação permanente, comunhão pastoral.

  1. Fazer sinodalidade
    O processo sinodal que a Igreja está a viver passou, no dia 14 de junho, pela feliz assembleia sinodal com a apresentação do texto da síntese dos grupos sinodais.

Os três pilares no processo sinodal dinâmico são: comunhão, participação e missão.

Não se trata de recolher opiniões, mas de encontrar o Espírito Santo no discernimento da escuta recíproca e de sentir a voz e a presença de Deus.

A equipa sinodal considera que o objetivo principal da fase diocesana foi alcançado: «infundir nas comunidades e realidades eclesiais este espírito de sinodalidade, na esperança de que este se prolongue além do limite temporal estabelecido para este Sínodo», sendo que algumas sínteses referem mesmo a vontade de repetirem os encontros sinodais.

A parábola desafiadora do Bom Samaritano, ao narrar os gestos de amor — «aproximou-se, ligou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho» (Lc 10, 34) — salienta o desafio da grandeza da humildade: olhar, cuidar, acompanhar – para uma Igreja sinodal samaritana. Com efeito, Jesus elogiou um entendido na Lei e, ao mesmo tempo, revelou-lhe o que lhe faltava: pôr em prática: «vai e faz tu o mesmo» (Lc 10,37).

Na evangelização, não basta saber e dizer, mas é necessário praticar a misericórdia como o Bom Samaritano.

O estilo de Deus é proximidade, compaixão e ternura!… Por isso, o renovado dinamismo do processo sinodal pede conversão pessoal, pastoral e missionária.

Importa esperar e continuar a sonhar em grande como nos pede o Papa Francisco na “Evangelii Gaudium” (n. 27): «sonho com uma opção missionária capaz de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal proporcionado mais à evangelização do mundo atual que à auto preservação».

Aproximar é evangelizar. A proximidade e a evangelização caminham juntas. Fazer a sinodalidade é ser Igreja.

A sinodalidade é o estilo próprio da vida e da missão da Igreja, que queremos consolidar nos âmbitos permanentes da comunhão e da sinodalidade: no Conselho Presbiteral, no Colégio dos Consultores, no Cabido, no Conselho Pastoral Diocesano, no Conselho Episcopal, no Conselho Arquidiocesano para os Assuntos Económicos, Conselhos Paroquias dos Assuntos Económicos (Fábricas da igreja), direções e colaboradores das IPSS’s e outras realidades da Diaconia da Caridade, nos Departamentos diocesanos e Serviços diocesanos, nos Conselhos pastorais dos Arciprestados, Paróquias e Unidades Pastorais, nas comunidades e Pessoas de Vida Consagrada, nos Movimentos, nos Grupos eclesiais e na Piedade popular.

Com as nossas possibilidades e limitações, propomo-nos também escutar outras realidades da pastoral antropológica e territorial: sociais, políticas, económicas e culturais. Gostaríamos ainda de escutar outras pessoas que raramente são ouvidas: os pobres, os reclusos, os vulneráveis, os excluídos, os migrantes, as pessoas portadoras de deficiência, as minorias étnicas e as outras periferias existenciais que são invisíveis na cidade, na vila ou na aldeia.

Enfim, a sinodalidade é uma dimensão integrante da Igreja; ao mesmo tempo, «um ato de governo e um evento de comunhão», segundo a lógica da circularidade dinâmica de “todos”, “alguns” e “um”. Todos os membros da Igreja são convocados à consulta, alguns (equipa e assembleia sinodal) são chamados a discernir, um (o Bispo Diocesano) toma a decisão.

A próxima Assembleia Arquidiocesana acontecerá em Guimarães, no dia 26 de novembro, o sábado anterior ao I Domingo do Advento.

  1. Jornada Mundial da Juventude – caminhar com os jovens
    A esperançosa Jornada Mundial da Juventude (JMJ) Lisboa 2023 é iluminada pelo evangelho de São Lucas: «Maria levantou-se e partiu apressadamente» (Lc 1,39).

A vida é peregrinação! Levantar-se, ir e voltar são verbos de movimento com determinação e sentido de missão.

«Há pressa no ar e estamos dispostos ao sim, fazer como a Mãe!» Assim cantamos no hino da JMJ.

O Amor tem pressa! Aquele Amor que «faz mover o sol e as outras estrelas» – como escreveu Dante Alighieri, no último verso da “Divina Comédia” (“Paraíso”, Canto XXX, 145).

Disto é testemunha qualificada, a Virgem Santa Maria. A Jovem Maria tem pressa em verificar o sinal recebido pelo Anjo na anunciação e dar a Boa notícia urgente à sua prima, a idosa Isabel. As duas mulheres carregam a esperança; são as mensageiras da vida cheia de graça.

A visitação transfigura o coração para correr apressadamente, mas sem ansiedade. Corremos juntos para a mesma meta: evangelizar. Este processo envolve-nos a todos, especialmente aos adolescentes e jovens.

A JMJ é uma oportunidade única na vida da Igreja peregrina em Portugal, especialmente na pastoral juvenil vocacional. A sua finalidade identifica-se com a evangelização, ou melhor, com o desejo de que Jesus Cristo esteja no coração dos jovens. Jesus Cristo é o essencial do cristianismo. Ele está vivo e quer-nos vivos!

A JMJ é uma grande peregrinação da fé. Os jovens da JMJ são um povo de peregrinos. Juntos, teremos três etapas importantes a realizar:

— a primeira – a peregrinação dos símbolos da JMJ na Arquidiocese – de 29 de janeiro a 28 de fevereiro de 2023;

— a segunda – a hospitalidade de jovens de outras dioceses do mundo – de 26 a 30 de julho de 2023;

— a terceira – a participação em Lisboa – de 1 a 6 de agosto de 2023.

A peregrinação dos símbolos da JMJ será acompanhada por nós, os Bispos, como expressão do nosso serviço à alegria e à esperança dos jovens nesta grande festa da fé.

No mesmo dinamismo da evangelização celebraremos com esperança, no dia 27 de maio de 2023, o primeiro centenário do Corpo Nacional de Escutas em Portugal, que começou em Braga.

Ao conhecer a profunda cultura eucarística que se vive na Arquidiocese, somos desafiados a acompanhar os jovens na celebração e na adoração da Eucaristia. Juntos escutaremos a Palavra de Deus na lectio divina com os grupos “Semeadores de esperança”. Sim, «muitos jovens são capazes de aprender a saborear o silêncio e a intimidade com Deus (…) Em diversos contextos, os jovens católicos pedem propostas de oração e momentos sacramentais que incluam a sua vida quotidiana numa liturgia fresca, autêntica e alegre» (Christus vivit, 224).

A missão de acompanhar os jovens é um serviço muito necessário. O próprio termo “acompanhar” remete para o pão partido e partilhado com toda a riqueza simbólica humana e espiritual ou sacramental.

Por consequência, a Eucaristia é a alegria e a esperança da nossa peregrinação. A nossa Arquidiocese é expressão da eucaristia acreditada, celebrada, adorada (o lausperene arquidiocesano, os congressos eucarísticos, os testemunhos da Beata Alexandrina, do Padre Abílio Correia, do jovem Bernardo de Vasconcelos e muitos outros). Não nos podemos limitar a celebrar a Eucaristia nem só a acreditar e adorar a Eucaristia, mas a ser Eucaristia viva a partir do Domingo.

A Liturgia é o cume para onde converge toda a harmonia da atividade da Igreja (catequese, culto e caridade) e ao mesmo tempo a fonte (cf. SC 10) da sua vida (oração, lectio divina, mistagogia, espiritualidade, conversão e testemunho). A oração é, pois, a «intérprete da esperança», como lhe chamou São Tomás de Aquino. E Santo Agostinho, numa homilia sobre a I Carta de São João, apelidou-a de «exercício do desejo».

Desde o final de maio de 2022, na nossa Arquidiocese, foram milhares de adolescentes e jovens que celebraram o sacramento da Confirmação. Como acompanhá-los? Quem se dispõe a caminhar com os jovens?

Com razão dizia Santo Agostinho num sermão: «Para poder chegar a Deus, Pedro deixou as redes e o barco (Mt 4, 22). Para chegar até Deus, a viúva deu duas pequenas moedas (cf. Mc 12, 42; Lc 21, 2) Para poder chegar até Deus, o que é mais pobre deu um copo de água fresca (cf. Mt 10, 42). Para poder chegar até Deus, o que é completamente pobre e necessitado, partilhou apenas a boa vontade. Todos deram coisas diversas, mas chegaram ao uno, porque não amaram a diversidade. Assim também vós, homens, ovelhas de Deus, ovelhas do rebanho de Deus, não vos perturbeis com as vossas diversidades temporais, pelo facto de uns terem prestígio social, outros não; uns terem dinheiro, outros não; uns terem um corpo bonito, outros não; uns estarem carregados de anos, outros serem jovens; uns serem crianças, outros homens e outras mulheres. Deus está igualmente presente em todos. Tem mais lugar junto dele aquele que mais trouxer, não prata, mas sim fé».

Como é importante fazer uma peregrinação espiritual, em pequeno grupo, rumo à JMJ.

O grupo pode ser o lugar onde a comunidade cristã se torna experiência concreta para os jovens. O pequeno grupo eclesial pode ser o espaço existencial onde as grandes e exortativas palavras –Participação, Comunhão, Missão, Sinodalidade – se tornem experiência de fé.

Sobretudo em grupo é possível fazer a experiência de Jesus ressuscitado visível, audível, tangível, nosso conterrâneo contemporâneo e companheiro de viajem, como na estrada de Emaús. Para cada Paróquia ou Unidade Pastoral, pelo menos um grupo de jovens!

  1. Ano Litúrgico-Ano Pastoral
    O ano é tido como a unidade mais longa do tempo dos homens, segundo o ritmo cíclico da terra à volta da sua fonte de luz.

Partindo do dia da Páscoa, como sua fonte de luz, o Ano litúrgico não é um calendário de festas, mas o desenrolar dos diferentes aspetos do único mistério de Cristo. No seu conjunto, o Ano litúrgico é imagem e “sinal sacramental” do plano eterno de salvação, que inclui o mistério de Cristo.

Assim, em cada ano, com o tempo do Advento e da manifestação do Senhor inaugura-se o novo Ano litúrgico, no qual a Igreja «considera seu dever celebrar em determinados dias do ano, a memória sagrada da obra de salvação do seu divino Esposo. Em cada semana, no dia a que se chamou domingo, celebra a memória da Ressurreição do Senhor, como a celebra também uma vez no ano na Páscoa, a maior das solenidades, unida à memória da sua Paixão. [A Igreja] distribui todo o mistério de Cristo pelo correr do ano, da Encarnação e Nascimento, à Ascensão, ao Pentecostes, e à expectativa da feliz esperança e da vinda do Senhor» (Sacrosanctum Concilium, 102).

No atual contexto cultural e pelo ritmo da sociedade, é natural que o Ano litúrgico sofra o impacto dos fenómenos característicos da industrialização, urbanização, secularização, consumismo, tempo livre, férias e em certos aspetos, causa uma verdadeira colisão de calendário. Hoje, que se sente tanto a necessidade de um calendário próprio e diferente a nível mundial, nacional, diocesano, paroquial, terá ainda sentido o Ano litúrgico?

Na verdade, o Ano litúrgico não é mais um ano-calendário, mas marca a centralidade da vida cristã, que deve ritmar toda a ação eclesial. Na realidade, as harmoniosas disposições sobre o Ano litúrgico não se expressam, porém, sem distorções nem choques culturais nas distintas tradições litúrgicas, nas Igrejas particulares, no confronto com a piedade popular, com os planos pastorais e programação civil. Isto requer, cada vez mais, uma pastoral do Ano litúrgico, até porque se nota, habitualmente, que os tempos litúrgicos são apenas mais uma ocasião para realizar iniciativas pastorais do que verdadeiras celebrações do mistério de Cristo.

Por isso, temos que recordar que o Ano litúrgico é o mistério de Cristo. O tempo está carregado de eternidade, onde Deus manifesta o seu plano salvífico, ou seja, o seu mistério. Assim, propomos-mos gradualmente a viver conjuntamente o chamado Ano pastoral em processo catecumenal do Ano litúrgico.

  1. Visita Pastoral
    Nove meses após o início do ministério arquiepiscopal, iniciarei no I Domingo do Advento, 27 de novembro de 2022, a visita pastoral à nossa querida Arquidiocese de Braga, começando pelo Arciprestado de Amares, segundo o critério da ordem alfabética. Ainda em tempo de Advento visitarei também a Paróquia de Ócua na Diocese de Pemba, em Moçambique.

A visita pastoral é um verdadeiro tempo de graça e momento especial, até único, para o encontro e o diálogo do Bispo com os fiéis. O santo arcebispo Bartolomeu dos Mártires (“Estímulo dos Pastores” – ed. bilingue, pág.168) entendia que: «a visitação é quase a alma do governo episcopal porque é por ela que o pastor se desfaz e consome em benefício e utilidade de todas as suas ovelhas». Com efeito, para o Bispo ou o Pastor, como o recordam tantos santos Mestres, «o mais importante é conhecer o povo do Senhor que lhe está confiado».

Nos muitos encontros já havidos convosco, admirei especialmente a fé e a generosidade com que testemunhais o Reino de Deus.

A sociedade em que vivemos parece menos atenta aos valores do Espírito e distraída por muitas mensagens contraditórias que conduzem a atitudes e comportamentos distantes da Tradição cristã e que não deixam pensar no essencial da vida. Todavia em nós, os crentes, ressoa constantemente o convite para que, da liturgia à caridade, da catequese ao testemunho de vida, tudo na Igreja torne visível e reconhecível o rosto de Cristo, a centralidade do mistério integral de Cristo. Daí que todos estamos comprometidos Ad docendum Christi Mysteria – Para mostrar os mistérios de Cristo.

O Senhor ressuscitado caminha com a sua Igreja e com a humanidade, não se cansando de nos convidar a ter esperança na evangelização. Ele ama este mundo, pelo qual se deu a si mesmo, e quer que todo o homem se salve.

É com esta convicção que venho ao vosso encontro, nos lugares da vida quotidiana, para confirmar a vossa fé, que já é grande, para transmitir a vida em Cristo; a alegria de ser convosco cristão e para vós Bispo, para vos convidar a viver e a trabalhar sempre com confiança, confiando não nas nossas frágeis forças, mas no Senhor e na sua constante presença de amor.

Agradeço profundamente o dom inestimável da vida e do ministério pastoral dos Párocos e de todos os Sacerdotes, os primeiros e indispensáveis colaboradores na missão evangelizadora.

Conto também com o serviço dos Diáconos, das Pessoas Consagradas e das equipas pastorais com todos os ministérios nas comunidades cristãs.

A todas/os Leigas/os, às famílias, aos movimentos e grupos eclesiais, aos organismos diocesanos de pastoral, à Cáritas, às Instituições de Solidariedade social, às Misericórdias, Confrarias e Irmandades, garanto a minha disponibilidade e oração, esperando encontrar a todos e contar com a vossa colaboração e corresponsabilidade na concretização de uma Igreja de proximidade, compaixão e ternura.

Saúdo as irmãs e os irmãos: doentes, reclusos, pobres, pessoas com deficiência, desempregados, migrantes, minorias étnicas e todos os mais velhos e mais sós que sofrem e vivem nas periferias existenciais e numa crescente globalização da indiferença. Na nossa Igreja sinodal e samaritana, o próximo é todo aquele que precisa de mim e de quem me aproximo. É a necessidade que o torna tão próximo de mim para lhe fazer sentir as carícias de Deus.

Com as Autoridades autárquicas, civis, académicas, militares, forças de segurança e proteção, órgãos de comunicação social, espero uma sincera cooperação recíproca em ordem ao bem comum, à dignidade das pessoas, à fraternidade e amizade social.

Saúdo ainda, com viva simpatia, todas as mulheres e todos os homens de boa vontade que buscam a verdade, a bondade e a beleza.

A todos desejo encontrar. Rezaremos juntos, estaremos juntos, refletiremos juntos, escutaremos juntos a Palavra de Deus e, juntos, decidiremos os passos a realizar para incutir novo vigor às nossas comunidades e um novo impulso missionário a toda a nossa Igreja diocesana.

Não é o Bispo o centro da visita, mas sim Cristo. Para Ele temos de olhar para abrirmos o coração, a vida, a porta das nossas casas, das nossas paróquias, dos lugares de trabalho, de estudo e de sofrimento.

A visita pastoral deve-nos fazer crescer em fraternidade, para fazermos da Igreja uma família onde se acolhe e se ama.

Peço a todos para rezar pelo bom êxito desta visita pastoral.

  1. Peregrinação ao encontro do(s) Outro(s)
    A metáfora da peregrinação é um dos mais antigos exercícios espirituais. O peregrino é alguém que caminha e espera o encontro. Para tal, partir significa perder os pontos de referência na esperança de ganhar tudo. Escreve um autor espiritual: «Há gente que vai em peregrinação para terras distantes. Vai em procissão à volta do templo sem nunca entrar no santuário. Mas eu vou em peregrinação até ao amigo que habita em mim» (Angelus Silesisus). Neste itinerário espiritual, como «em qualquer aventura, o que importa é partir, não [é] chegar». Assim o escreveu Miguel Torga, no poema “Viagem”, em “Câmara ardente”.

Tenho peregrinado em vários lugares da Arquidiocese e experimentado como somos um povo peregrino. De modo especial, a peregrinação a pé, faz-nos passar de observadores a contempladores nos caminhos de hoje para a eternidade. Com efeito, a sinodalidade compromete a vocação peregrina da Igreja.

A piedade popular tem em si mesma uma força evangelizadora. Com efeito, afirma o Papa Francisco na“Evangelii Gaudium”, (n. 126): «as expressões da piedade popular têm muito que nos ensinar e, para quem as sabe ler, são um lugar teológico a que devemos prestar atenção particularmente na hora de pensar a nova evangelização». De facto, temos de prestar particular atenção à piedade popular e, especialmente, aos santuários como centros propulsores da evangelização permanente.

O tempo que nos toca viver está a fazer crescer novos pobres e novas pobrezas. Não sejamos indiferentes e continuemos a cultivar o sonho da fraternidade universal e da amizade social para «humanizar a humanidade, praticando a proximidade» (Pedro Casaldáliga, discurso de 2006, quando recebeu o Prémio Internacional Catalunha).

O peregrino é alguém que caminha e espera o encontro.

Da liturgia à caridade, da catequese à piedade popular e ao testemunho de vida, tudo na Igreja deve tornar visível e reconhecível o rosto de Cristo, a centralidade do mistério integral de Cristo. A audácia da esperança faz-nos peregrinos de novos caminhos e de novas linguagens na fidelidade criativa do Evangelho, para que tenhamos vida abundante em Jesus Cristo.

  1. Escuta e formação
    A síntese sinodal, publicada a 4 de julho, proveniente maioritariamente das paróquias, unidades pastorais e arciprestados, movimentos, departamentos e vida consagrada, mostra e reafirma que a sinodalidade é um ponto sem retorno. «A aposta na formação assume um carácter primordial e incontornável nos diferentes âmbitos de ação eclesial, de modo que todos possam ter uma participação ativa, consciente e apaixonada na vida da Igreja. (…) Como tal, esta formação para agentes de pastoral deverá contemplar várias dimensões: a formação humana, espiritual, teológica, bíblica e pastoral. (…) Por isso, a experiência dos grupos sinodais, com o método das rondas, onde todos são desafiados à escuta do Espírito Santo e dos demais irmãos, bem como a deixar a sua partilha e participação ativa deve ser estratégia e instrumento a preservar e potenciar para além deste processo sinodal em curso».

E ainda se diz: «A escuta e a proximidade são mencionadas como algo essencial, mas em falta na vida comunitária. Com a identificação desta “falta”, quer-se dizer que não existe a cultura dos “leigos escutarem os leigos” e destes serem escutados pelos párocos, isto é, a predisposição para escutar o próximo, mesmo sem terem de se convocar reuniões ou assembleias».

A formação realiza-se, antes de mais, no primado da Graça ou da Oração: pessoal, familiar, comunitária, especialmente na liturgia. A valorização e a familiaridade com a Palavra de Deus farão da paróquia ou da unidade pastoral, uma casa e escola de oração. A escuta e a formação acompanham o itinerário de toda a nossa vida. Estamos convictos, como dizia Santo Inácio de Loyola, que: «não é o muito saber que sacia e satisfaz a alma, mas o sentir e saborear intensamente as coisas».

A formação inicial e permanente nos Seminários, na Faculdade de Teologia, nas comunidades cristãs, nos Arciprestados, nos movimentos e grupos eclesiais é um caminho a consolidar nos processos de conversão pastoral e missionária.A conversão não é um momento, mas uma atitude. A conversão não é só mudança de mentalidade, mas uma mudança interior.

Seria bom que se desenvolvesse um dia de escuta em cada comunidade. O Sacerdote, o Diácono, a Pessoa consagrada ou um Leigo ou uma Leiga, por designação do Pároco colocar-se-iam à disposição de quem precisa de ser ouvido.

A promoção dos ministérios instituídos de leitores, de acólitos e de catequistas, também entre as mulheres, será um dos caminhos a percorrer na formação cristã integral e na partilha responsável dos ministérios eclesiais.

Esperamos iniciar brevemente o percurso formativo para o Diaconado permanente.

  1. Juntos na Missão
    Adverte o Papa Francisco: «a missão não é um negócio nem um projeto empresarial, nem mesmo uma organização humanitária, não é um espetáculo para que se possa contar quantas pessoas assistiram devido à nossa propaganda» (Evangelii gaudium, n. 279).

As recomendações que Jesus faz aos seus missionários são desafiadoras ainda hoje: «Jesus chamou os doze Apóstolos e deu-lhes poder e autoridade sobre todos os demónios e para curarem todas as doenças. Depois enviou-os a proclamar o reino de Deus e a curar os enfermos. E disse-lhes: “Não leveis nada para o caminho: nem cajado, nem alforge, nem pão, nem dinheiro, e não leveis duas túnicas. Quando entrardes em alguma casa, ficai nela até partirdes dali. Se alguns não vos receberem, ao sair dessa cidade, sacudi o pó dos vossos pés, como testemunho contra eles”. Os Apóstolos partiram e foram de terra em terra a anunciar a boa nova e a realizar curas por toda a parte» (Lc 9, 1-6).

A prioridade do essencial é o Evangelho. Só se evangeliza com o Evangelho. A pobreza é, ao mesmo tempo, fé, liberdade e leveza nos discípulos missionários do Evangelho.

Com D. Hélder da Câmara, somos igualmente interpelados: «Missão é partir, caminhar, sair de si. É quebrar as crostas do egoísmo que nos fecha no nosso eu! Missão é parar de dar voltas ao redor de nós mesmos como se fôssemos o centro do mundo, da vida. Missão é não deixar bloquear nos problemas do pequeno mundo a que pertencemos. A Humanidade é maior. Missão é sempre partir, mas não devorar quilómetros. É sobretudo abrir-se aos outros como irmãos, descobri-los e encontrá-los. E para os descobrir e amar é necessário atravessar mares e voar pelos céus, então, missão é partir até aos confins do mundo!» (Vd www.arquidioceseolinda do recife.org).

A Igreja existe para evangelizar, conforme desafiou São Paulo VI na “Evangelii Nuntiandi”, n 80: «Conservemos o fervor do espírito, portanto; conservemos a suave e reconfortante alegria de evangelizar, mesmo quando for preciso semear com lágrimas! (…). E que o mundo do nosso tempo que procura, ora na angústia, ora com esperança, possa receber a Boa Nova dos lábios, não de evangelizadores tristes e desanimados, impacientes ou ansiosos, mas sim de ministros do Evangelho cuja vida irradie fervor, pois foram quem recebeu primeiro em si a alegria de Cristo, e são aqueles que aceitaram arriscar a sua própria vida para que o reino seja anunciado e a Igreja seja implantada no meio do mundo» para mostrar os surpreendentes mistérios de Cristo, nossa Páscoa e nossa Paz.

A vida do peregrino da fé, pode resumir-se nas palavras de Paulo: «Exorto-vos, portanto, irmãos, pela misericórdia de Deus, a que ofereçais vossos corpos como hóstia viva, santa e agradável a Deus: este é o nosso culto espiritual» (Rm 12,1). Em Cristo e no seu Espírito, toda a existência cristã se torna um sacrifício vivo e agradável a Deus, isto é, um autêntico culto espiritual.

A Liturgia da Igreja canta: «ubi caritas et vera, Deus ibi est», ou seja, onde há caridade verdadeira aí habita Deus. E o cântico de amor continua: «quando em nome de Deus nos reunimos, não nos separemos pela discórdia. Acabem discussões e contendas, para ficar em ter nós o Senhor Jesus Cristo».

A evangelização acontece no encontro entre as pessoas na caridade. Enfim, como lembrou a Conferência Episcopal Portuguesa: «Evangelho significa então evangelização e evangelização implica movimento e comunicação, e requer tempo, formação, inteligência, entranhas, mãos e coração».

A nossa realidade pastoral exige a coragem, a confiança, o amor e a paciência para ir ao encontro dos homens e das mulheres do nosso tempo, testemunhando que também hoje é possível, belo, bom e justo viver a existência humana à luz do Evangelho da Esperança.

Como a Virgem Santa Maria de Braga, a Senhora de todos os nomes belos, peregrinamos com coragem, confiança, liberdade, amor e paz.

Boa peregrinação!

Peregrino convosco. Juntos, somos Igreja sinodal samaritana e não esqueçamos que onde há amor verdadeiro, aí habita Deus.

Abraço muito cordial.

Sé de Braga, 28 de agosto de 2022, 933º aniversário da dedicação.

  • José Manuel Garcia Cordeiro
    Arcebispo Metropolita de Braga”

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