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Crise demográfica ou crise machista?

A deficiência demográfica em Portugal é uma preocupação já habitual do governo e do país. Desde 2010 que a população portuguesa tem vindo a diminuir e um dos principais fatores é a baixa taxa de fecundidade, a qual se encontra abaixo dos 1,5 nascimentos por mulher desde 1989.

 
André Rodrigues


Antes de mais, sejamos críticos e analisemos como é que é possível remendar esta situação. Primeiramente, a longo prazo através de políticas de natalidade de cariz social e económico e, a curto prazo, através das imigrações com políticas que incentivem jovens a fixarem-se em Portugal, tais como o fomento de emprego jovem, melhores condições de habitação, baixas taxas fiscais, entre outras.
Esta problemática gera duas questões importantes na sociedade: “como é que podemos ter jovens talentos se cada vez há menos jovens?” e “como é que é possível assegurar a segurança social e as pensões se os jovens e, consequentemente, a classe trabalhadora vai diminuindo?”.

 
 


O governo tem procurado colocar uma rolha de dinheiro, que pouco tem, para a resolução deste enigma. No orçamento de Estado de 2022 o Governo enumerou várias medidas que são, fundamentalmente, políticas económicas e fiscais, como o apoio de
600€ por ano, por cada criança ou jovem até aos 17 anos. Vejamos um estudo divulgado em Espanha pela organização de consumidores CEACCU. Este revela que cada filho custa em média entre 98 e 310 mil euros, até aos 18 anos, ou seja, em 17 anos, este apoio
ajudaria a família em pouco mais de 10 mil euros. Segundo a dissertação de Tiago da Silva, intitulada “Incentivos económicos como fatores de aumento na natalidade e em Portugal”, a probabilidade de um casal ter mais de três filhos é afetada positivamente
pelos escalões de rendimento do agregado familiar entre os 1300 e 2200 euros. Isto deixa-me a pensar se as medidas anteriores interessam e/ou são fontes a considerar para os casais.


Penso que o erro é tomar como facto único e rigoroso que o conforto financeiro das famílias é o clímax da natalidade e não o conforto da mulher. Tendo em conta o status quo atual, o homem em Portugal tem um papel muito reduzido quando o assunto é apoiar a mulher nas tarefas domésticas. Já muito intrínseco na nossa cultura, qualquer desculpa é aceite para que o homem tenha a simples função de ganhar dinheiro, enquanto a mulher está sobrecarregada com o seu emprego, com a família e tem ainda um full-time quando chega a casa. Este caso piora quando o segundo emprego da mãe é serfaz-tudo, isto é, tomar conta da criança, dar o banho, mudar a roupa, levar à escola, ficar com a criança em casa quando esta está doente, fazer o jantar…. É exaustivo, e quando a mulher tenta aliviar um pouco este peso não consentido, é julgada, fazendo com que o desejo para ter o segundo ou terceiro filho diminua significativamente. Estou
a considerar esta situação em países desenvolvidos e nos quais as mulheres estão um pouco mais empoderadas. Em casos contrários, como nos países em desenvolvimento, o homem exerce pressão e controla totalmente a fecundidade da mulher, assim como a ausência de acesso a anticoncecionais.

 
 

Temos de aceitar que o feminismo veio para ficar. Todos os retrocessos e bloqueios para o progresso desta realidade, impostos por homens cis brancos maioritariamente conservadores, dão origem a uma instabilidade social que afeta todas as áreas. As medidas em Portugal, nomeadamente na licença parental, a mãe usufrui de 42 dias consecutivos exclusivos e o pai 15 dias úteis obrigatórios dos 120 dias de licença. Números dramaticamente baixos, que muito dificilmente são suficientes para cuidar de um recém-nascido ou providenciar a devida atenção. Demonstra, também, a discrepância de dias de um progenitor em relação ao outro.


No caso da Suécia, um excelente exemplo em leis de parentalidade, é garantido, por lei, 90 dias reservados tanto ao pai quanto à mãe (igual se aplica a casais homoafetivos). Isto dá um total de 180 dias para cada um dos pais e os restantes dias, 300, são divididos pela consciência do casal. Mas o que é que esta medida reflete na verdade? Bem, a adesão dos homens às licenças de paternalidade aumentaram significativamente e, consequentemente, passaram a tomar mais conta dos filhos e a dividir as tarefas gerais. Podemos especular que este método poderia vir a estabelecer uma mudança de paradigmas na mentalidade portuguesa sobre a divisão de tarefas
entre homem e mulher e, ainda, uma proteção feminista às discriminações laborais, pois, com a igual responsabilidade, em relação aos dias de licença, aos olhos do Estado não seria possível uma seleção discriminatória por parte do empregador aquando da seleção de cargos. Talvez até fosse um fator que equilibrasse o salário da mulher ou, pelo orgulho machista, diminuísse o salário do homem resistindo à igualdade de sexos.

 


Finalmente, no estado atual, ambos os pais e sobretudo as mães, necessitam da criação de estruturas que permitam compensar o ónus parentar em prol da sua saúde mental e que alivie carga horária, fundamental para combater o défice financeiro comum na sociedade portuguesa. Certamente que um reforço em infantários gratuitos para certos escalões, ou até totais, e que nestes promovam políticas de igualdade de sexo, sem qualquer distinção entre rapaz e raparigas, seria uma medida favorável e que auxiliaria nestes problemas.
É preciso remar contra a maré, mas primeiro temos de nos saber localizar.

A maré não é a crise demográfica, é sim, a desigualdade de género e o machismo tóxico que gravemente afetam a nossa sociedade.

 

Texto de: André Rodrigues

Artigo publicado em parceria com a Associação de Debates Académicos da Universidade do Minho

 

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