A tradução de job hopping é (quase sempre) precariedade
Recentemente, o jornal Público lançou um artigo intitulado “Saltar de trabalho em trabalho ou ficar na mesma empresa? Cada vez mais jovens fazem job hopping”, que ganhou alguma tração nas redes sociais por, alegadamente, normalizar a precariedade que os jovens enfrentam quando tentam ingressar no mercado de trabalho.
Contudo, este não é um caso isolado. A publicação de artigos que apresentam e dissecam termos em inglês que transformam precariedade em empreendedorismo, desespero em coragem, e coação em escolha está a tornar-se cada vez mais comum.
Quiet quitting, job hopping e outros estrangeirismos que tais não traduzem meramente novas tendências do mercado de trabalho. Expressam sintomas sérios daquilo que é um mercado de trabalho onde (quase) todos somos descartáveis e substituíveis, e de uma nova classe social em ascensão; o precariado.
Na sua obra O Precariado, A Nova Classe Perigosa, o insurgente e revolucionário economista britânico Guy Standing define esta classe como aqueles que são obrigados a viver de empregos de contrato de caráter temporário (muitas das vezes part-time), aos quais estão associados os quatro cavaleiros do apocalipse: insegurança laboral, incapacidade de concretização pessoal, alienação de classe e revolta com o sistema e/ou com os próprios companheiros de classe . São tipicamente mulheres, jovens, minorias étnicas e idosos; e são cada vez mais.
Mas afinal, o que aconteceu entre o nascimento dos nossos avós e pais e o nosso para que os primeiros tenham tido, em média, permanecido no mesmo emprego, e nós estarmos fadados a ter aproximadamente 13 empregos ao longo da vida? A globalização e a ausência de uma legislação laboral protetora dos trabalhadores mais sujeitos a serem atirados para o precariado fizeram com que estes efetivamente o fossem.
Nos últimos anos, o mercado de trabalho flexível, isto é, onde é possível facilmente e sem custos, ajustar o volume de pessoas empregadas e o montante dos seus salários de forma a responder a alterações na oferta e na procura do mercado com vista à maximização dos lucros tem vindo a passar de uma reivindicação fantasiosa dos teóricos neoliberais para a duríssima realidade com que se depara um jovem licenciado que possui qualificações mas não é capaz de encontrar emprego na área, um emigrante brasileiro que não encontra emprego fora das fábricas ou dos restaurantes, ou um idoso que tem um part-time porque a reforma não chega.
É então evidente que a teoria económica dominante dos mercados de trabalho flexíveis descreve uma realidade que não existe: nos livros, é o alicerce de um mundo eficiente; e funciona, porque à luz destes modelos, as pessoas comportam-se quase como robôs. Na realidade, uma pessoa responsável por pôr a comida na mesa da sua família, como é o caso de grande parte da população portuguesa, tem necessidades que não são flexibilizáveis. Considerar um resultado em que há equilíbrio de mercado à custa da indução de desequilíbrio, agitação, desespero e sofrimento de toda uma classe social, o precariado, nas costas da qual as elites estão a querer construir uma economia de baixa produtividade mas alto retorno para si, é, no mínimo, distópico.
Nesta fase do texto já fica claro que a palavra chave na discussão sobre a precariedade no mercado de trabalho é flexibilidade. E à luz dessa mesma palavra que se deve analisar se fazer job hopping é bom ou não.
Há dois cenários possíveis: um em que o indivíduo tem flexibilidade de escolha na sua carreira, e efetivamente beneficia de saltar de emprego para emprego mesmo que isso implique algum risco.
Contudo, o cenário mais comum nas economias desenvolvidas atualmente é que o indivíduo esteja constantemente a mudar de emprego porque é coagido a fazê-lo, e a manter-se na mesma situação.
Ainda que haja uma minoria financeiramente estável, sem responsabilidades financeiras para com nenhum outro ser humano que o faça por escolha própria, a maioria das pessoas, seja por exemplo, porque tem uma família e portanto é inviável estar a mudar de casa todos os anos, por questões psicológicas etc. beneficia e prefere um emprego fixo, onde tenha um salário estável, possibilidade de progressão de carreira, e onde lhe seja possível criar laços com os colegas de trabalho.
Porém, devido à globalização, que criou uma concorrência completamente injusta e imoral entre trabalhadores do sul global que são forçados a deixar-se explorar por multinacionais e os trabalhadores dos países desenvolvidos que só se deixam explorar por um pouco mais, ao enfraquecimento das legislações laborais e ao extermínio dos movimentos sindicais no ocidente, se não se sujeitarem a trabalhos precários (muitas vezes mais que 1), as pessoas não encontram outra alternativa de emprego. E é claro que a situação piora se o indivíduo em questão pertencer a um dado grupo reprimido e marginalizado, que enfrentam barreiras no mercado de trabalho que nunca as deixarão ver, ou sequer sonhar, com o que há para lá do precariado.
Por estas razões e mais algumas, é quase pecaminoso camuflar de empreendorismo, motivação e palavras em inglês pensadas para virar moda a realidade da precariedade do mercado de trabalho, que se traduz, do português para o português: exploração física, psicológica e emocional de uma maioria tornada vulnerável por uma minoria já abastada que adora estrangeirismos.
Texto de: Sofia Pires
Artigo publicado em parceria com a Associação de Debates Académicos da Universidade do Minho