Ativismo e Saúde Mental: é possível coexistirem?
A definição de ativismo, segundo a Enciclopédia do Ativismo e da Justiça Social, revela-se como “uma ação em nome de uma causa, que vai além do que é convencional ou rotineiro”. Ora, as causas que atualmente têm sido alvo de destaque por parte de movimentos surgem para dar resposta à opressão sistémica do machismo, racismo, homofobia, transfobia, xenofobia, capacitismo, fascismo, à escassez de direitos das minorias éticas, enfim, muitas outras fragilidades sociais.
E é por isso que, atualmente, muitos de nós manifestam-se e agem, de forma individual ou coletiva, para encontrar soluções, reunir ideias, e construir ativamente uma sociedade justa, inclusiva e democrática. Assim, através dos diferentes meios de efetivar o ativismo, podemos considerar que as lutas constantes, a militância incansável, as frequentes adversidades sociais, e uma política insuficiente impactam o dia-a-dia de todos nós.
Inevitavelmente todas as problemáticas enraizadas que referi anteriormente estão presentes nas nossas conversas com amigues, nos convívios familiares, na vida académica, no exercício da prática profissional, e em todas as dimensões que constituem o holístico ser humano.
De que forma pode a luta constante por um progresso social tornar-se esgotante e afetar a dimensão mental?
No sentido de intervir perante uma situação que consideramos ser a base do ódio e desigualdade, apresentamos atitudes educativas e argumentamos de forma a aludir e consciencializar sobre a natureza empática e a universalidade dos direitos – que constituem a
harmonia social. Explicar como a história tem funcionado ao longo do tempo, como o privilégio, o capitalismo, o elitismo, o patriarcado, e outros conceitos têm tido impacto negativo no bem-estar social é incitar à mudança de pensamento – um processo difícil a quem se nega a conectar-se com a empatia.
A reação conservadora particular de uma sociedade conformista na qual o poder se centra na elite privilegiada (com pouca visão do mundo) torna todas as lutas constantes processos de exaustão, de esgotamento e impotência. As emoções que surgem afetam negativamente o domínio mental, e consequentemente o corpo como um todo. Reparem como este cansaço é transversal, sendo sentido não só por quem vive uma situação de opressão; mas também, por quem tenta (através do poder do seu privilégio) desconstruir pensamentos arcaicos e indiferentes à aceitação.
Um exemplo prático prende-se numa situação que vivi há uns tempos. Num domingo de convívio familiar, com a inevitável presença de familiares que intervêm de forma tóxica, machista e abusiva, as minhas atitudes perante estes nunca são de inação ou acomodação. No sentido de educar, alertar, sensibilizar e (tentar!) desconstruir algumas mentes patriarcais, iniciei a minha defesa pelos direitos, pela igualdade, pela justiça e inclusão. Ora, claramente que o indivíduo, que tomou iniciativa de abordar um assunto de forma misógina, não gostou deste poder de oratória e confronto vindo de uma jovem mulher. A masculinidade frágil e a postura reacionária originaram uma discussão (e consequente instabilidade familiar).
Assim, era inevitável o sentimento de culpa que senti(mos) – isto é, mesmo consciente de que fiz o que me competia, de que ativei os meus valores e a minha militância feminista e agi nesse sentido, quebrar a paz e a harmonia que falsamente se fazia sentir num almoço família estimula a culpa. Esta culpa que senti (mos), aliada à vitimização tão particular de uma masculinidade patriarcal, afetou o equilíbrio emocional que estava presente antes do indivíduo intervir de forma machista.
Logo após este momento assisti (mos) a comentários como “ a do contra é sempre a mesma”, “estas mulheres de hoje já não são como antes”, “isto das manifestações anda a deixar tudo tolo”, “hoje em dia já não se pode dizer nada”. Certamente que já vivenciaram acontecimentos que em certos contextos são perpetuados, enraizados e normalizados (frequentemente pelas mulheres e jovens da família que, por vários motivos, pacificam atitudes que sabem que são puníveis). A vontade de desistir e assumir uma postura de conforto perante o problema, assumir serenidade é sempre uma opção. Talvez a menos dolorosa para a nossa saúde – mas a
mais penosa para a equidade social.
Este ponto – de combate ao preconceito socialmente cravado – aliado a todas as nossas responsabilidades, aos nossos compromissos, aos nossos problemas pessoais, às pressão que já naturalmente vivenciamos (por sermos juventude do séx. XXI), às transições inevitáveis ao ciclo de vida, evocam uma ansiedade descomunal, e o bem-estar fica ameaçado.
Lutar pela dignidade da vida de cada um de todos nós é um ato de coragem, de solidariedade, de altruísmo e coletividade. Muitas vezes romantizada, a luta tem de ser uma forma de reflexão/ ação e, simultaneamente, a razão necessária e suficiente para parar e descansar.
Como podemos fazê-lo? Bem, é extremamente complexo, e tentando não ser muito paternalista, é importante investirmos tempo em atividades que nos oferecem prazer, entusiamo e diversão; ou até mesmo investir tempo na “arte de não fazer nada” – tão importante numa sociedade demasiadamente acelerada.
Essencialmente, distanciarmo-nos quando sentimos que o devemos fazer. É por isso que o autoconhecimento surge como uma forma de percebermos quem somos, o que defendemos, quais os nossos limites nas discussões (quer no Twitter, ou nos debates do café), o que estamos dispostos a perder pelo benefício coletivo. Por um futuro no presente, pela saúde sempre!
Mariana Sousa
Artigo publicado em parceria com a Associação de Debates Académicos da Universidade do Minho