A Natureza prevaricadora do ser humano
Quase todas as semanas deparamo-nos com um novo caso de corrupção que tem tempo de antena durante alguns dias (ou nem isso) e costuma acabar depois de vários anos com uma chapada no pulso da justiça. Este facto pode-nos levar a afirmar que “em Portugal só há
corruptos” ou “no PS é tudo prevaricador” e caso o fizéssemos estaríamos corretos, mas o problema é muito profundo para ser simplesmente resumido à cultura portuguesa ou a quem nos governa. A prevaricação faz parte da natureza humana e é ingénuo achar que conseguimos evitar a corrupção.
Em 2018, a corrupção custou aos cofres portugueses 18.2 mil milhões de euros, quase 8% do Produto Interno Bruto, contudo, mesmo parecendo este valor astronómico, Portugal está na cauda da Europa no que toca a corrupção. Quando medido em percentagem do PIB, Portugal é apenas o 17.º país mais penalizado por esta.
Assim constatamos que também o resto da Europa é prevaricadora e até mais que nós. É difícil acreditar neste facto, principalmente quando somos constantemente relembrados do quão corrupta são as pessoas que tomam decisões no nosso país. Dando exemplos apenas a nível regional, para não ficar aqui o dia todo, já foram condenados por corrupção em tribunal o ex-presidente da câmara de Braga, o ex-reitor da Universidade do Minho e agora presidente da CCDR-N e inclusive o atual reitor da Universidade do Minho.
Não seria um salto lógico muito grande assumirmos que a razão da corrupção proliferar é a falta de consequências que as pessoas que a praticam enfrentam. Olhando para os exemplos que mencionei acima vemos que apesar da sua condenação em tribunal todos estes indivíduos continuam em liberdade, sendo que os dois últimos continuam na vida pública, em cargos reputados. Poderíamos então assumir que penas mais duras para condenados de crimes desta natureza seria a solução para mitigar a corrupção, mas a verdade é que esta é inevitável e é intrínseca a todos nós.
Quando vemos estes casos no plano nacional julgamos do nosso pedestal e não compreendemos como é que é possível existirem estes atos pouco éticos, mas a verdade é que (quase) toda a gente com a mínima posição de poder já prevaricou. Inclusive no mundo
irrelevante do associativismo universitário existem oportunidades de prevaricar, como no recrutamento de uma associação de estudantes em que se prefere o candidato mais amigo ao mais qualificado, ou ao fazer candidaturas a fundos de apoio em que deliberadamente se
inflacionam os valores alocados a cada atividade.
Naturalmente no mundo empresarial, e em organizações do estado, em que o poder é maior, maior serão os ganhos de prevaricar e assim mais tentador se torna. O poder torna-se inebriante e os nossos interesses tomam prioridade perante o conceito arbitrário de bem-estar coletivo.
Portanto não acho chocante que indivíduo quando confrontados com uma oportunidade de ajudar um amigo ao conceder-lhe um contrato público ou com uma oportunidade de por mais dinheiro ao bolso que o façam. O ser humano é um ser com falhas, intrinsecamente centrado em si mesmo e tem como propósito principal afagar o seu ego, tendo que aproveitar as oportunidades que lhe permitam fazer isso mesmo. Abusar do nosso poder dá nos um sentimento de superioridade que permite apaziguar o ego e viver mais dias sem dúvidas sobre o nosso sentimento de utilidade, torna-nos importantes e dá-nos a satisfação de “ganhar ao sistema”. Por muito que se aborde ética no local de trabalho, e o bem-estar coletivo, isso são necessidades secundárias para o ser humano e assim a tentação de prevaricar é enorme.
Concluindo, a corrupção é sem dúvida um enorme problema para a economia e desenvolvimento da sociedade em Portugal e na Europa, devemos, sem dúvida, julgar as pessoas que a praticam e deve haver investimento no combate desta através de mecanismos
de deteção da mesma, contudo não podemos cair em narrativas, que dão força a partidos de extrema-direita, que a corrupção se deve ao papel do Estado na Economia ou ao partido que está a governar, quando a raiz do problema é algo muito mais profundo no caráter humano.
Texto de: Rui Rodrigues
Artigo publicado em parceria com a Associação de Debates Académicos da Universidade do Minho