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“Saúde: uma refém do capitalismo digital”

A era da desinformação, ampliada por uma evolução exponencial dos meios tecnológicos per se e da velocidade digital, representa uma ameaça não alheia às autoridades de saúde pública. A OMS designou como infodemia o “excesso de informação, incluindo aquela que é
falsa ou descontextualizada, em ambientes digitais e físicos, durante um surto de uma determinada doença”, estando as equipas de saúde a reunir esforços neste combate – acentuado pela pandemia de covid-19 – para um entendimento em saúde efetivo.

 
Mariana Sousa


Bem, como é que este processo infodémico ocorre?

 
 


A desinformação começa quando o espaço de debate permite que informação pouco transparente afaste os cidadãos do conhecimento real – numa plataforma indiferente a qualquer cidadão – a rede social. Assim, perante esta possibilidade, as empresas que detêm os meios de comunicação social (como Instagram, Facebook, Twitter, Tik Tok, Youtube), e todo o monopólio digital não se envolvem na elaboração de medidas que controlem a (des)informação em saúde. Um público-alvo que vive pelo imediatismo e absorve o que é fácil de ler, o que está superficial e acessível nas plataformas sociais consome desenfreadamente qualquer informação. Este aproveitamento para gerar lucro (likes, partilhas, transmissão à escala global, scroll nas redes constantemente), utilizando o medo e a iliteracia em saúde, é cruel, insano, e um obstáculo à saúde de todes nós.


A sociedade não tem meios de confirmar a informação que está a ler e ver através da acessibilidade imediata das redes sociais. Este mediatismo ocorre porque é muito mais fácil produzir informações falsas em saúde do que evidência, que requer investigação,
revisão e uma análise que as pessoas não têm disponibilidade para confirmar. O mundo laboral, a vida gerida e regida pelo capital, na qual o excesso de trabalho, o aceleracionismo, e o desassossego da fase moderna, impedem que haja uma entrega à procura de informação fidedigna. É por isso que, informações rápidas, resumidas, de exposição acessível, que “aconselham” e “ajudam” de forma simples, e que suprimam receios são as mais fáceis de aceitar como adquiridas. Assim sendo, o manual da OMS refere que “embora todas as classes sociais sejam afetadas pela desinformação, as evidências sugerem que os jovens, os grupos minoritários e aqueles com baixos rendimentos e níveis de educação podem estar mais expostos e vulneráveis à desinformação” – ou seja, a destruturação social gerada pelo capitalismo que, nas suas variadas vertentes destrói todas as oportunidades de empoderamento, deve surgir como
uma questão prioritária na agenda política.

 
 


O Impacto: porque é que reger a nossa vida através desta desinformação é catastrófico?

Bem, os negacionistas nascem e desenvolvem-se através do alimento-infodémico e, negando factos que podem ser verificados empiricamente, ocupam espaço público para partilhar as suas decisões em saúde, como não se vacinarem, espalharem curas milagrosas,
e divulgarem estudos científicos inválidos, contrariando a ciência e as recomendações das autoridades de saúde. Ora, a nível do combate a questões macro, como as pandemias, a imunidade de grupo e a mobilização social é altamente abalada. De um ponto de vista a longo prazo, o empoderamento em saúde – poder e controlo na tomada de decisão em saúde – definido em 1986 como elemento chave para a obtenção de saúde, fica aprisionado e estagnado. Isto porque, os profissionais de saúde perdem controlo e perspetiva para efetivarem os programas de literacia em saúde– situação que dificulta o propósito da promoção da saúde.

 


O que tem sido feito – uma fantasia de colaborações?


Toda a performance da google e do youtube ao colaborarem na elaboração do manual da OMS transmite uma ilusão – a de que estão de facto importados e mobilizados a fazer algo. Enquanto que a regulação da informação nas redes não for materializada na prática, com
medidas que permitem a deteção de fake news e reencaminhem para o conhecimento evidenciado, os mais prejudicados com a desinformação continuarão a usufruir deste desastre de conhecimento falso culminando – como vítimas das grandes empresas – em
más escolhas de saúde.
Um trio de forças: autoridades públicas, indústria que gere meios de comunicação, e sociedade civil não se unirá na ação enquanto estivermos sujeitos a uma alienação de informação gerada pela ânsia de lucrar com a saúde das pessoas, com a respeitabilidade da
vida humana. Porque sabemos pela sabedoria popular que “ o que interessa é ter saúde” e “a saúde é tudo” …. quando o capitalismo nos quer ver sem nada, centralizando os bem essências, indispensáveis e primordiais na elite privilegiada sabemos que o início do fim
aproxima-se!

 

Texto: Mariana Sousa

Artigo publicado em parceria com a Associação de Debates Académicos da Universidade do Minho

 

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